Título: Sem acordo, vale a alta do imposto
Autor: Maria Lima, Regina Alvarez e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 31/03/2005, Economia, p. 25

Governo não consegue projeto para unir base e recorre de novo à obstrução no Congresso

Incapaz de fechar um acordo com a base aliada em torno do texto de um projeto de lei alternativo ¿ que corrija a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, mas também garanta medidas de compensação para a perda de receita ¿ o governo obstruiu novamente ontem a votação da Medida Provisória 232 e tentará fazer o mesmo hoje. Com isso, a votação só deve acontecer na próxima semana. Como conseqüência, amanhã, dia 1º de abril, entram em vigor todas as medidas que impliquem em aumento da carga tributária para os prestadores de serviço e agricultores.

A correção de 10% da tabela do IR para os trabalhadores assalariados, no entanto, estaria assegurada até a próxima votação. A MP 232, editada em 31 de dezembro de 2004, aumentou ainda de 32% para 40% a base de contribuição da CSLL e do IR para as empresas prestadoras de serviço que declaram pelo lucro presumido. Também determinou a cobrança na fonte de 1,5% de IR de agricultores e outros prestadores, como hospitais e transportadoras.

Só novo texto pode impedir aumento

Para permitir que essas alterações não entrem em vigor, o governo precisa editar hoje uma medida provisória mudando a data de início da cobrança. Ele já fez isso duas vezes, com as MPs 237 e 240, mas ontem não havia indicação concreta de que essa seria a opção desta vez.

Sem a certeza dos votos para derrubar o requerimento da oposição que garante a aprovação separada do reajuste da tabela do IR, os governistas entraram novamente em obstrução, derrubando a sessão de votação por falta de quórum.

¿ A estratégia do governo é ganhar tempo para que a medida entre em vigor a partir desta sexta-feira (amanhã), com o conseqüente aumento da carga tributária. Com o fato consumado, fica muito difícil aprovar um projeto de decreto legislativo para derrubar ou mudar essa cobrança ¿ acusou o deputado Pauderney Avelino(PFL-AM).

Segundo um dos líderes governistas que comemorou o sucesso do adiamento, o governo não tinha mesmo nada a perder, pois já estava desgastado com a obstrução do dia anterior e agora forçaria a oposição a entrar em negociação para o acordo. Principalmente com a iminência da MP entrar em vigor amanhã.

¿ Vale a pena o desgaste. A sociedade não quis a 232, mas quer a parte boa dela. O governo quer derrotar tudo e ter uma saída alternativa, mantendo as compensações. Tivemos que ganhar tempo para salvar a parte boa da MP ¿ explicou o líder do PT, José Múcio Monteiro (PE).

É uma queda-de-braço política para ver quem sairá como o autor da saída para a correção da tabela do IR da pessoa física, se a oposição ou o governo. O governo não quer que o pai da medida seja a oposição.

¿ Queríamos rejeitar a MP 232 desde terça-feira, para evitar que entrasse em vigor. Mas eles querem criar o caos. Infelizmente tivemos que optar pelo caminho da obstrução ¿ discursou o vice-líder do governo, Beto Albuquerque (PSB-RS).

Depois de um dia de negociações no Congresso, com Jorge Rachid, secretário da Receita Federal, e com o ministro da Fazenda Antonio Palocci, os líderes governistas chegaram ao plenário para votar sem acordo em torno de um texto alternativo. Por meio de um requerimento de adiamento da pauta, por votação nominal, os governistas conseguiram esvaziar o quórum derrubando a sessão e impedindo a votação do requerimento de votação em separado da correção da tabela.

Com o PMDB dividido, o apoio do PP do presidente Severino Cavalcanti foi fundamental para o sucesso da obstrução. Apenas 185 deputados da oposição registraram o voto no painel, quando eram necessários pelo menos 257 para prosseguir a votação. Às 19h20m, Severino encerrou a sessão, convocando outra para hoje às 14h.

¿ Depois desse espetáculo do PMDB, se o governo não der uma mão, está perdido. O governo investiu tudo no PMDB (com mais ministérios) e agora está tendo o troco ¿ ironizou o líder do PP, José Janene (PR), que orientou a bancada a seguir a estratégia do governo.

PMDB se mostra dividido em plenário

O líder do PMDB, José Borba (PR), orientou a bancada a seguir o governo, mas o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) foi ao microfone e o afrontou, convocando a bancada a votar contra o adiamento, acirrando a divisão. Além do PP, entraram em obstrução o PL, PTB, PSB, PCdoB, PV, e PT.

O porta-voz da Presidência da República, André Singer, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confia nas negociações conduzidas pelos líderes na Câmara na busca de uma solução para a MP.

¿ O presidente achou importante os esforços dos líderes nas negociações com os deputados e acredita que o Congresso vai encontrar o melhor caminho para não prejudicar os trabalhadores nem o ajuste fiscal que o país vem buscando com esforço e responsabilidade ¿ disse o porta-voz.