Título: DOMANDO O LEÃO
Autor: Martha Beck e Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 01/04/2005, Economia, p. 21

Governo joga a toalha

Lula decide manter correção da tabela do IR e elimina aumento da carga tributária

Depois de ficar durante três meses sob o bombardeio de críticas de empresários, agricultores e parlamentares e passar esta semana bolando estratégias para não sair derrotado da disputa, o governo finalmente se rendeu e decidiu revogar todos os artigos da medida provisória (MP) 232 que tratam da retenção de tributos na fonte e do aumento da carga tributária para prestadores de serviço. Para isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou ontem uma nova medida provisória. Já a correção de 10% da tabela do Imposto de Renda (IR) dos trabalhadores assalariados continua válida e parte da MP 232 original, precisando ser votada pelo Congresso para se tornar lei.

Apesar da derrota, o governo não desistiu completamente das medidas, consideradas instrumentos de combate à sonegação. O Ministério da Fazenda vai encaminhar ao Congresso um projeto de lei que inclui parte do que já estava previsto na MP 232. Na proposta está, por exemplo, a retenção na fonte de IR, Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e PIS/Cofins para setores como o de transporte, medicina, engenharia e publicidade e propaganda. Também há ¿saco de bondades¿, como isenção fiscal para a cadeia do software.

Mas ficará de fora do projeto a medida mais polêmica da MP: o aumento de 32% para 40% da base cálculo da CSLL e do IR para prestadores de serviço que optam pelo regime do lucro presumido.

Aumento de tributos será discutido

Ao anunciar as medidas, o ministro da Fazenda em exercício, Bernard Appy, não admitiu a derrota. Ele disse que o resultado da negociação foi positivo pois o objetivo do governo de combater a sonegação será mantido no projeto de lei. Também afirmou que ouviu dos líderes da base aliada no Congresso o compromisso de continuar discutindo a questão dos prestadores de serviços:

¿ O objetivo fundamental da MP 232, além de corrigir a tabela do IR, era combater a sonegação. Além disso, nós entendemos que o item mais controverso da MP 232, que trata dos prestadores de serviço, que é correto por corrigir distorção da estrutura tributária, vai continuar sendo discutido no Congresso.

O governo se atrapalhou até mesmo na hora de anunciar o enterro da MP 232. Enquanto o líder na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), e outros líderes da base aliada se reuniam durante a manhã com Appy e o secretário da Receita, Jorge Rachid, para fechar os pontos finais da negociação, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), antecipou-se e anunciou as mudanças em São Paulo. Chinaglia, que foi informado pelo telefone, não escondeu que ficou profundamente irritado pelo senador ter lhe tirado a prerrogativa de fazer o anúncio.

Mais tarde, na entrevista convocada para explicar as mudanças na MP, Chinaglia mostrou irritação, principalmente quando questionado sobre uma possível vitória da oposição, que na terça-feira apresentou requerimento para desmembrar a 232, derrubar o aumento de carga e votar apenas o IR.

¿ O que nós estamos fazendo para derrotar a oposição na política, no conteúdo, no discurso, nos fatos e também nas provas, é que nós tivemos capacidade de construir um projeto de lei que trata dos demais assuntos da MP 232, enquanto o presidente Lula edita uma medida provisória que acaba por garantir a correção da tabela. Isso é diferente de desmembrar. O que a oposição queria era fazer o discurso de que é ela que corrige a tabela e isso não permitimos ¿ disse Chinaglia. ¿ A base aliada comandará a oposição. Vão ter que votar com a gente.

Na ânsia de não ceder à oposição o papel de salvadora da correção do IR, o governo seguiu por um novelo jurídico. A idéia inicial, segundo fontes do governo, era editar uma MP revogando a 232 e mantendo apenas a correção da tabela do IR e, dessa forma, capitalizar o benefício junto à classe média e impedir que a oposição faturasse politicamente o benefício.

Mas o governo esbarrou na Constituição e num entendimento do Supremo de que o executivo não pode editar duas MPs sobre o mesmo tema quando a primeira já tramita no Congresso. Appy e Chinaglia chegaram a dizer que a nova MP traria a correção da tabela do IR. Mas os líderes do governo no Congresso foram alertados pela Mesa da Câmara que essa hipótese estava afastada.

Por isso, o governo optou por derrubar em nova MP os artigos que elevavam carga e manter em vigor só a correção do IR na 232, que já está em regime de votação e conta com a aprovação da base aliada e oposição. A nova MP foi assinada por Lula ontem à noite na Base Aérea do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Na terça-feira, a 232 vai à votação, mas o governo enfrentará novo embate para não permitir que a oposição capitalize a aprovação, já que haverá a tentativa de votar a MP fatiada, enquanto o governo insiste em aprová-la integralmente.

Para compensar a renúncia fiscal de R$2,5 bilhões com a correção da tabela do IRPF, Appy admitiu que o governo poderá ter que cortar gastos. Segundo ele, o aumento da base de cálculo dos tributos dos prestadores de serviços previa uma arrecadação adicional de R$300 milhões este ano e de R$1,4 bilhão em 2006, o que já estava previsto no orçamento. Por isso, agora, a equipe econômica vai ter que avaliar a arrecadação e verificar se é preciso fazer ajustes nas despesas:

¿ Avaliamos as receitas bimestralmente para garantir a meta de superávit primário. Como a economia tem tido bons resultados, é preciso ver, a partir desta mudança, como está evoluindo a arrecadação. Vamos ver se serão necessários ajustes.

De Madri, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que está participando da reunião do Instituto Internacional de Finanças (IIF) mas esteve envolvido durante todo o dia nas negociações, afirmou:

¿ Demos uma solução ponderada, equilibrada e razoável. E o projeto de lei, do jeito que ficou, nos deixa confortável do ponto de vista do equilíbrio do orçamento.

COLABOROU Priscila Guilayn