Título: FERIDOS E LANHADOS
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 02/04/2005, O Globo, p. 2

O presidente Lula e seu convidado, o presidente uruguaio Tabaré Vásquez, atrasaram-se uma hora e meia para o almoço de ontem no Itamaraty em homenagem ao visitante. Matando o tempo, deputados e ministros presentes tinham como assunto principal o enterro da MP 232: não escondiam a satisfação pela primeira derrota política importante da equipe econômica.

Nem todo mundo no governo participa, naturalmente, deste sentimento. Pelo contrário, havia quem apontasse como muito perigosa a mensagem de enfraquecimento do intangível ministro da Fazenda nesta hora que se segue ao anúncio da não renovação do acordo com o FMI. Fica parecendo que bastou o Brasil sair do Fundo para começar o apedrejamento da equipe que se aplicou tanto ao rigor fiscal.

Mas alguns, no grupo dos satisfeitos, eram pouco sutis ao dizer que os técnicos de Palocci confundiram o prestígio do ministro com autonomia para todos eles, da Receita ao Banco Central, sem levar em conta as circunstâncias políticas do governo. De agora em diante, diziam alguns, as medidas econômicas não serão mais enviadas diretamente ao gabinete do presidente e daí para o Congresso, sem discussão e avaliação prévias com a área política. Outros apontaram uma vitória do ministro Dirceu em hora para ele difícil.

Lula conversou sobre o desfecho com os líderes Paulo Rocha (do PT) e Arlindo Chinaglia (do governo). Muito descontraído, perguntou-lhes em espanhol pela repercussão da decisão de revogar todo o teor da medida, exceto a correção da tabela do Imposto de Renda dos assalariados. Ouviu que foi a melhor possível, unificara a bancada petista e contentara toda a base governista. Novamente circunspecto, Lula disse que estava aliviado, já que não havia mesmo outra saída. Sabe-se que ele tentou enquanto pôde atender aos pedidos da Fazenda para que evitasse o fatiamento da medida ¿ a separação entre a correção da tabela e as medidas fiscais destinadas a arrecadar recursos para compensar a bondade. Elas serão propostas num projeto de lei que, diferentemente da MP, não terá prazo para ser votado.

Também ali, na roda do Itamaraty, circularam rumores de que os da área econômica estavam irritadíssimos com o senador Aloizio Mercadante. Acompanhando o presidente na viagem a São Paulo, ele deu entrevista à televisão confirmando a revogação quase total da MP 232, embora os técnicos e os políticos ainda estivessem reunidos discutindo a saída. Seria esta mesma, mas Bernardo Appy, ministro interino, ficou furioso ao ver a fórmula ser precipitadamente anunciada pelo senador como decisão do presidente. A mensagem acabou sendo, teria dito, de enfraquecimento da equipe.

Estas são feridas deixadas por um dos mais desastrosos encaminhamentos políticos do governo, em que de fato a equipe econômica ignorou a realidade política apontada pelos líderes partidários, depois de criado o ambiente de rejeição a uma medida que foi mal explicada e mal defendida. Feridas à parte, na Coordenação Política avalia-se que mesmo na obstrução a base governista teve seu momento de maior unidade depois da crise da eleição da Mesa, performance que deve ser melhor percebida em votações próximas. A ver.