Título: A doce vida dos turistas na `Favelinha¿
Autor: Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 02/04/2005, Rio, p. 24

Estrangeiros se hospedam em pousada no Morro do Pereirão

Nadya Jakobs, de 27 anos, tem olhos de alemã, cílios de árabe e corpo de brasileira. Ela trabalha como fotógrafa há três anos em sua cidade natal, Munique, na Alemanha, e decidiu que suas primeiras férias fora da Europa seriam no Brasil. Fez pesquisas, consultou amigos e escolheu para ficar um lugar que, segundo sua avaliação, é paradisíaco: a Pousada Favelinha, na Rua Antônio Joaquim Batista, casa 13, Favela Pereira da Silva (ou Pereirão), em Laranjeiras, Rio de Janeiro.

Com cinco quartos, cada um com banheiro, varanda e imagem artesanal de um santo, vista deslumbrante para a Baía de Guanabara e dezenas de escadas a subir e descer pelas vielas do Pereirão, a Favelinha funciona desde o réveillon de 2005.

A idéia é da curitibana Andreia da Silva Martins, de 30 anos, que contou com o apoio do ex-marido, o alemão Holger Zimmermann. Depois de morar seis anos na Alemanha, ela voltou para o Brasil, fugindo do frio.

Apesar de a Favelinha ainda estar em construção, uma centena de estrangeiros e dois brasileiros (mineiros que vieram na Semana Santa) já se hospedaram ali. Andreia conta que apenas um de seus hóspedes foi embora por causa da violência dos morros cariocas, que ganhou fama internacional.

¿ Ele era austríaco e um menino de 8 anos, filho da minha vizinha, foi perguntar as horas a ele e apontou para o relógio. Ele achou que seria roubado e saiu correndo. O menino veio correndo chorando, com medo de apanhar da mãe, para me explicar que só queria saber a hora ¿ contou a dona da pousada.

Desde 1999 o Pereirão já não convive mais com a presença de bandidos ostensivamente armados, circulando entre as 432 casas. No fim de 1998, às vésperas de Anthony Garotinho tomar posse no governo, os traficantes do morro mandaram fechar o comércio do bairro ¿ e, em reação, a polícia ocupou o lugar. Ao assumir, Garotinho chegou a prometer que ali seria uma favela modelo para a cidade.

O Batalhão de Operações Especiais, vizinho ao morro, hoje usa a favela, onde vivem cerca de 1.500 pessoas, como local de treinamento. Dezenas de homens do batalhão estão sempre por lá. Como para as pessoas em geral, em especial os estrangeiros, presença policial é sinônimo de segurança, Andreia conta que eles imaginam estar num dos lugares mais seguros do mundo.

¿ Mesmo assim, sempre que fazem reportagem aqui, falam que os turistas ficam em meio aos tiros. Graças a Deus, isso não existe mais aqui ¿ afirma Andreia, que desde que veio para o Rio, aos 15 anos, convive com moradores do Pereirão.

Se há traficantes no Pereirão, eles são tão silenciosos que o local parece tão calmo quanto áreas nobres da cidade, sejam prédios de luxo de Ipanema ou dos condomínios da Barra da Tijuca. Mas, por outro lado, não se vê na favela os prometidos serviços públicos que chegariam com a ocupação policial. A obra da prefeitura de reforma da creche da comunidade, por exemplo, que foi um casarão construído por escravos, jamais ficou pronta.

Sem a violência cotidiana de outras favelas, turistas e moradores transitam normalmente pelas vielas. Edivânio de Araújo, de 31 anos, é atendente de um bar próximo à pousada. Ele conta que os estrangeiros costumam parar para tomar cerveja e comprar água. Na primeira vez, o diálogo com um alemão que queria uma cerveja foi difícil. Mas, depois, ele se acostumou.

¿ A gente vai fazendo gestos, eles também e a gente se entende. Eu acho bom abrir comércio aqui porque movimenta a comunidade. Tinha que ter padaria, salão, mais coisas ¿ diz Edivânio.

Mas a Favelinha não é vista com bons olhos por todos. Andreia disse que teve problemas com a prefeitura por ter desmontado a casa que comprou para erguer a pousada, que é maior. Ela diz que só no fim do ano passado conseguiu autorização para funcionar, mas ainda não pode pagar impostos e sequer conta com um relógio da Light, inúmeras vezes pedido.

Ela conta que a associação de moradores a desaconselhou a fazer o empreendimento. O presidente da entidade, Pedro Paulo Victor da Silva, de 50 anos, conta que os moradores não podem construir no morro nada no tamanho feito por Andreia.

¿ Fazer um empreendimento aqui é bom porque não se paga nada e você ainda fica com o lucro. Mas não gera nada para a comunidade ¿ argumenta.

Andreia afirma que, além de empregar pessoas da favela, pretende trazer parcerias para construir um centro comunitário para jovens.

¿ Ninguém nunca quis fazer nada aqui antes ¿ rebate.

Para os turistas, o clima é sempre de paz. Por uma diária de R$25, além da vista, eles têm direito ao café da manhã e a um habitual programa dos subúrbios e favelas cariocas: tomar sol na laje (onde em breve funcionará um salão de café). Nadya, a única hóspede esta semana, conta que em alguns dias prefere passear pela favela a ir a praia.

¿ Aqui é um paraíso. Um lugar calmo, com vista maravilhosa para o verde e o mar e pessoas adoráveis. Copacabana e Ipanema me parecem perigosos. É muito trânsito, muita gente e eu me sinto vulnerável por ser turista ¿ afirma a fotógrafa alemã.

Nadya disse que fez a escolha apesar de conhecer bem a realidade das favelas do Rio. Após consultar a dona da pousada e conversar com amigos, ela optou por ficar na Favelinha e acha até que tem mais tranqüilidade que nos hotéis da orla. Além de estar tendo uma experiência interessante e uma oportunidade de conhecer melhor o país. Ela chegou ao Rio no início do ano, ficou um mês no Pereirão e depois viajou pela Bahia, Minas Gerais e Pantanal. Ao voltar, não teve dúvida: foi diretamente para a Favelinha.

¿ Nunca sofri ou vi qualquer tipo de violência aqui. Quando me perco pelas vielas, eles sabem que sou turista e me trazem de volta.