Título: PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO (2)
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 03/04/2005, O País, p. 4

A substituição do chefe da Casa Civil, José Dirceu, na coordenação política do governo é apontada unanimemente pelos cientistas políticos como a grande culpada pela desarticulação da base partidária governista e a conseqüente crise do ¿presidencialismo de coalizão¿ à moda petista.

Não vai aí qualquer juízo de valor, mas apenas a constatação de que a articulação política só funcionou no período de Dirceu antes da crise provocada por seu assessor Waldomiro Diniz. O cientista político Sérgio Abranches lembra que a coordenação política pressupõe que o presidente esteja envolvido, mas apenas estrategicamente, não para fazer o varejo.

¿E quem faz o varejo tem que ser um efetivo representante do poder presidencial. O acordo que for fechado tem que ser cumprido, não pode depender de consultas adicionais, de autorizações. Ele tem que ter delegação explícita, reconhecida, porque na negociação os temas mudam, as demandas variam e ele tem que ter capacidade de mudar o acordo. O Aldo ( Rebelo, ministro da Coordenação Política) não tem essa delegação¿, ressalta Abranches.

Ele acha que com a reforma ministerial que não aconteceu ¿as coisas pioraram, porque Lula desvalorizou o José Dirceu. E o melhor recurso que ele tinha para colocar na articulação, que era o João Paulo Cunha, também ficou de fora¿. Sérgio Abranches acha que a campanha de reeleição vai ser ¿complicadíssima¿ para o PT, que está com esperança de fechar acordos precocemente, ¿mas ninguém vai fazer isso¿.

Este é outro consenso entre os estudiosos: assim como a cisão entre PFL e PSDB, no segundo mandato de Fernando Henrique, resultou na derrota de Serra para Lula em 2002, as crises internas no PT podem custar caro na reeleição de Lula. Sérgio Abranches acha que, na verdade, os problemas de Fernando Henrique começaram quando o atual governador de Minas, Aécio Neves, ¿tomou a Câmara do PFL e desequilibrou a distribuição de poder da coalizão. O PSDB ficou com as presidências da República e da Câmara, o PMDB com o Senado e o PFL ficou ao léu¿.

O cientista político Fernando Limongi, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), diz que o maior problema do governo é a briga dentro do PT desde que José Dirceu teve que sair da coordenação política. Segundo ele, o problema para a reeleição está nos estados, nos acordos regionais e em saber quem vai ser o candidato a governador, sobretudo em São Paulo.

¿Uma boa parte dessa crise passa pela definição de quem vai ser o candidato, se o Mercadante, se a Marta, se o João Paulo. E o nível de autodestruição que essa briga está atingindo é impressionante¿, espanta-se Limongi, que chama a atenção para a acusação de que a ex-prefeita Marta Suplicy quebrou a Lei de Responsabilidade Fiscal: ¿Não é só o PSDB que está fazendo isso. Se é o governo que está soltando, é porque alguém importante quer inviabilizar a Marta como governadora¿.

Outro mistério para ele é entender ¿quem bancou o Virgílio Guimarães? ( deputado mineiro que se lançou candidato alternativo à presidência da Câmara e gerou a crise que elegeu Severino Cavalcanti).Tem que haver um figurão, uma explicação da luta interna, porque senão ele hoje já estava sacrificado em praça pública¿. Para Limongi, o ex-presidente Fernando Henrique ¿tinha muito mais liberdade dentro do PSDB do que o Lula tem no PT¿.

Octavio Amorim Netto, da Fundação Getulio Vargas, ressalta que a capacidade de controlar a agenda legislativa, uma característica dos governos de coalizão majoritária, ¿existe no governo Lula apenas no seu sentido negativo, isto é, na medida em que os partidos da base têm tido poder de veto sobre algumas medidas, como a reforma eleitoral, vetada por PTB, PL, PSB e PCdoB e a autonomia do Banco Central, vetada pelo PT¿. O que está faltando ao governo Lula, segundo ele, é uma agenda positiva que possa ser negociada com o PT e seus aliados. Para ele, Lula lidera ¿um cartel legislativo sem saber bem o que fazer com ele, além, obviamente, do seu desejo de reeleição¿.

O cientista político Amaury de Souza lembra que apesar de todo o sucesso do governo, Fernando Henrique, após a desvalorização do real em 1999, sofreu um declínio de popularidade e a ¿animosidade entre o PFL e o PMDB minou a força da coalizão e aumentou a visão crítica da opinião pública sobre o Congresso¿.

Montar um governo de coalizão é problemático ¿devido à fragmentação partidária, exacerbada pelas regras eleitorais permissivas¿, ressalta Souza. Como exemplo dessa dificuldade, ele destaca que Fernando Henrique, com uma coalizão de cinco partidos, garantia o quórum para aprovar reformas constitucionais, já Lula precisa mobilizar até 11 partidos.

Amaury de Souza chama a atenção para o fato de que o Colégio de Líderes, uma instituição que garantia aos partidos da coalizão uma influência na formação da agenda do Congresso, foi praticamente desativado por João Paulo Cunha quando assumiu a presidência da Câmara, ¿com uma atitude imperial como a de seu partido¿. E o atual presidente, Severino Cavalcanti, apenas agora, depois de muita crise política, resolveu voltar a se utilizar desse mecanismo para organizar a pauta.

Outro problema, lembra Souza, foi o incentivo do Palácio do Planalto à infidelidade partidária, que criou a competição dentro dos partidos aliados, ¿de políticos que desceram de pára-quedas. Isso corroeu as lideranças dos partidos¿, sublinha Amaury de Souza.

Como se vê pela análise dos cientistas políticos nas colunas de ontem e de hoje, o PT é o principal culpado pela crise de governabilidade que volta e meia surge do nada para conturbar o cenário político.