Título: Exposição pública de sofrimento gera polêmica
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Fonte: O Globo, 02/04/2005, Economia, p. 35

Segundo porta-voz, mesmo doente Papa quer estar perto do público, além de chamar atenção para problemas dos idosos

Na história da Igreja Católica o corpo dos papas era considerado um tabu. Durante o período medieval, o Pontífice não era visto como uma pessoa feita de carne e osso, e sim uma espécie de semideus. João Paulo II rompeu esta regra, destacando-se no início do seu pontificado como um atleta. Ele aparecia esquiando, nadando e até chegou a ser fotografado seminu na piscina da sua residência de verão em Castel Gandolfo. Karol Wojtyla havia optado expor-se de corpo e alma para a mídia. Apesar do progressivo agravamento da sua doença, ele continuou se mostrando publicamente. Segundo o Vaticano, o Papa nunca quis esconder o seu sofrimento. Porém, alguns acham que a exibição do calvário de João Paulo II passou dos limites.

O vaticanista Giancarlo Zizola, autor de mais de dez livros sobre temas da Igreja Católica, há vários anos vem criticando a exposição do sofrimento do Papa ao público.

¿ A exibição do sofrimento de um homem é obscena. Trata-se de um uso político para mascarar uma grave crise institucional dentro da Igreja ¿ explicou Zizola ao GLOBO.

O porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, explicou diversas vezes que João Paulo II, embora doente, sempre desejou estar em público e se comunicar com os fiéis. Segundo ele, o Papa quer também chamar a atenção para o problema dos idosos. Zizola acredita que o sofrimento público de João Paulo II não é por decisão dele.

¿ Todos nós temos desejos, entre eles o de aparecer e nos comunicarmos. Mas não o desejo de sofrer em público. Acho que acabou se transformando na vontade única desta corte polonesa que não quer largar o osso. Esta é uma crise de jogos de poder em cima do corpo de um pobre homem ¿ criticou.

¿O problema é transformar em espetáculo a doença¿

As críticas vêm também de dentro da Igreja. O padre Vicenzo Marras, diretor da revista católica ¿Jesus¿, declarou que exibir João Paulo II nestas condições de saúde parece uma violência ainda maior.

¿ É uma questão de medida. O problema não é só ver o sofrimento do Papa na TV, e sim transformar em espetáculo um momento da sua vida privada tão íntimo como a doença.

Segundo o padre Marras, mostrar o sofrimento do Pontífice é negativo para os fiéis porque ao invés de aproximá-los da mensagem de Cristo, acaba desviando sua atenção. A culpa, para ele, não é da mídia.

¿ Os jornalistas fazem o trabalho deles. São os que estão em torno do Papa que deveriam dosar com mais equilíbrio sua exposição pública. Evidentemente, esta preocupação eles não têm ¿ afirmou.