Título: VÉU DE SILÊNCIO CERCA VATICANO E DIFICULTA COBERTURA DA SAÚDE DO PAPA
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Fonte: O Globo, 02/04/2005, Economia, p. 35

Para jornalista, cultura da Igreja defende maior privacidade do Pontífice

Na quarta-feira passada, enquanto os jornais italianos estavam cheios de notícias sobre as dificuldades do Papa João Paulo II para comer e a possibilidade de uma nova internação, um alquebrado mas perseverante Pontífice aparecia na janela de seus aposentos no Palácio Apostólico.

Reportagens falavam de ataques de náusea e até de alucinações causadas por seus remédios para o mal de Parkinson ¿ todas atribuídas a fontes não identificadas e negadas pelo Vaticano.

¿ No vácuo de informações, é aberta a temporada de caça ¿ disse Victor Simpson, editor da sucursal de Roma da agência Associated Press, que dá um desconto para a maioria dessas histórias. ¿ O mesmo jornal que disse que o Papa estava voltando para o hospital também afirmou que ele não apareceria na janela. Por que devemos acreditar numa história e não na outra? A imprensa italiana não é conhecida por seus padrões jornalísticos.

Mas o outro lado da moeda é que é uma tarefa assombrosa conseguir até pequenas informações sobre a saúde do Papa do Vaticano, que até hoje não confirmou oficialmente que ele sofre do mal de Parkinson. A colisão cultural entre o modelo monárquico da Igreja e a caça às notícias de uma máquina de imprensa funcionando 24 horas por dia é cada vez mais uma dinâmica importante no desenrolar da história da doença do Papa.

¿ A Santa Sé tem uma crença de segredos a manter porque o Papa é um soberano que estabelece as regras que todos devem seguir ¿ disse Jason Berry, autor de vários livros sobre a Igreja Católica.

Foi apenas na quarta-feira que Joaquín Navarro-Valls, o porta-voz do Papa ¿ que ontem estava visivelmente emocionado ¿ emitiu o primeiro boletim médico em 20 dias. Foi só um pouquinho de informação ¿ um relatório de cinco linhas, entregue por escrito, sem a oportunidade de fazer perguntas. Mas dizia ali que o Pontífice estava sendo alimentado por uma sonda no nariz ¿ confirmando que ele estava com problemas para engolir. Depois de quase três semanas sem informações, esse pouquinho já foi muito para quem cobre o Vaticano.

¿ É infinitamente melhor do que o que estamos conseguindo ¿ disse John Allen, correspondente no Vaticano para o ¿National Catholic Reporter¿. ¿ Por outro lado, mesmo esse boletim deixou muitas perguntas sem resposta.

Mas, diferentemente de muitos na imprensa, Allen tem uma visão menos conspiratória e mais factual sobre as razões para esse blecaute de informações.

¿ A cultura e a visão de mundo do Vaticano foram moldadas bem antes da era das telecomunicações modernas ¿ explicou ele. ¿ Eles ainda se apegam a essa noção de que o Papa tem direito a uma zona de privacidade pessoal que é bem maior do que a da maioria das figuras públicas hoje em dia.