Título: `O Papa já vê e toca o Senhor¿
Autor:
Fonte: O Globo, 02/04/2005, Economia, p. 35

Quadro clínico é considerado irreversível e Vaticano admite iminência do fim de João Paulo II

CIDADE DO VATICANO

Oestado de saúde do Papa era extremamente grave ontem e considerado irreversível pelos médicos, com complicações que indicavam a iminência do seu fim. João Paulo II teve choque séptico, colapso cardiorrespiratório e uma parada cardíaca. Seus rins pararam de funcionar, a respiração se tornou mais difícil, a pressão sanguínea caiu e, segundo a imprensa italiana, ele chegou a perder a consciência. Mas se recusou a ser novamente internado, numa clara indicação de que se preparava para a morte. Num outro sinal desta preparação, pediu que lhe fossem lidas as 14 passagens da Via-Crúcis, que contam os momentos finais da vida de Jesus Cristo.

Com lágrimas nos olhos, o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, divulgou de manhã as informações mais preocupantes das últimas semanas:

¿ As condições gerais e cardiorrespiratórias do Santo Padre pioraram ainda mais. Uma gradual piora da hipotensão arterial foi observada e a respiração se tornou fraca. O quadro clínico indica insuficiência cardiocirculatória e renal. Os parâmetros biológicos estão consideravelmente comprometidos.

Ao rezar uma missa na Igreja de San Giovani, o cardeal de Roma, Camilo Ruini, afirmou:

¿ O Papa já vê e toca o Senhor. Eles já está unido com nosso único Salvador.

Citando uma fonte médica não identificada, a agência de notícias italiana Ansa disse: ¿Já não há esperança¿. Pouco depois, a imprensa italiana anunciava que o Papa morrera, mas logo o Vaticano desmentiu.

Pontífice co-celebra missa em seu leito

Durante a madrugada, quando seu estado de saúde piorou, o Papa, de 84 anos, recebeu a unção dos enfermos, aumentando a preocupação de católicos do mundo inteiro. Em muitos países, dezenas de milhares de fiéis seguiram para igrejas. Outros tantos foram para a frente da residência de João Paulo II, na Praça de São Pedro, e ali permaneceram em vigília durante todo o dia de ontem. Com velas acesas, rezaram e entoaram cânticos.

¿ O Santo Padre, com visível participação, está compartilhando as preces daqueles que o assistem ¿ disse Navarro-Valls.

Na cidade polonesa de Wadowice, onde Karol Wojtyla nasceu, centenas de fiéis lotaram a basílica local, muitos deles aos prantos. Emocionada, Maria Danecka manifestou um sentimento de desconsolo compartilhado por muitos católicos:

¿ Se ele está nos deixando, não teremos ninguém para nos mostrar o caminho, para nos ajudar a entender o mundo.

Num reflexo da tristeza que tomou conta da Itália, partidos políticos interromperam sua campanha para eleições regionais e o primeiro-ministro Silvio Berlusconi cancelou todos os seus compromissos.

Ex-secretário particular do Papa, o bispo irlandês John Magee comentou:

¿ O fato de ele não ter voltado (ao hospital) mostra que ele está serenamente carregando a cruz e pronto para desistir e dizer: ¿Acabou¿.

Durante a manhã, as notícias do Vaticano já eram preocupantes.

¿ Certamente, esta é uma imagem que eu nunca vira ao longo desses 26 anos. O Papa está lúcido e extraordinariamente sereno, mas é claro que não pode respirar ¿ afirmou Navarro-Valls.

João Paulo II era assistido por uma equipe de quatro especialistas, além de seu médico particular, Renato Buzzonetti. O porta-voz disse que ele estava sendo tratado com antibióticos e que seu estado de saúde se estabilizara temporariamente, acrescentando:

¿ Nas horas seguintes, evoluiu negativamente.

Segundo o porta-voz, às 6h (hora local), lembrando-se que era sexta-feira, João Paulo II pediu para co-celebrar uma missa, em sua cama. Às 7h15m, pediu que lhe fossem lidas as 14 etapas da Via-Crúcis.

¿ Ele fez o sinal da cruz durante a leitura da cada estação ¿ disse Navarro-Valls.

Em seguida, o Papa recebeu a visita de cardeais influentes, entre eles Angelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano; Joseph Ratzinger, prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé; e o cardeal Camillo Ruini, que, como bispo de Roma, tem a função de anunciar a morte do Papa ao mundo.

Piora rápida nas últimas semanas

O mal de Parkinson causou uma lenta deterioração da saúde do Papa nos últimos dez anos. Nas últimas semanas, entretanto, a piora se acelerou, devido a problemas respiratórios. Em 1 º de fevereiro, ele foi internado com gripe, febre e espasmos na garganta. Recebeu alta no dia 10 seguinte, mas duas semanas depois voltava ao hospital com sintomas semelhantes. Sofreu uma traqueostomia, passou a usar um tubo para respirar e recebeu alta. Pela primeira vez em 26 anos de pontificado não pôde, porém, participar das celebrações da Semana Santa. Sua agonia por não conseguir falar aos fiéis no domingo de Páscoa comoveu o mundo.

Quarta-feira, o Papa fez sua última e dramática aparição pública. À janela, tentou falar, não conseguiu e lhe tiraram o microfone. Horas depois, o Vaticano divulgava o primeiro boletim médico em mais de duas semanas. Informava que ele passara a usar uma sonda nasogástrica para se alimentar. No dia seguinte, o quadro continuou se agravando. João Paulo II tinha uma infecção urinária que lhe causava febre, queda de pressão e o enfraquecia ainda mais. À noite, o Vaticano disse que o quadro se estabilizara, mas as luzes de seu quarto se apagaram mais tarde do que o normal. Ontem de manhã, o Vaticano indicou que seu fim estava próximo ao anunciar que ele tivera um choque séptico e colapso cardiovascular