Título: DESPOLUIÇÃO DE LAGOAS JÁ CUSTA TRÊS VEZES MAIS
Autor: Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 03/04/2005, Rio, p. 26

Obras, que deveriam estar concluídas em um ano, se arrastam desde 2001 e só devem acabar em junho de 2006

O preço da recuperação das lagoas da Barra, do Recreio e de Jacarepaguá cresce tanto quanto o volume de esgoto e de algas tóxicas naquelas águas. Em 2001, quando as obras de despoluição da Baixada de Jacarepaguá foram iniciadas, com promessa de conclusão para o ano seguinte, o custo do saneamento era de R$116,3 milhões. Hoje, diante de lagoas cada vez mais poluídas, o valor pulou para R$418 milhões e o prazo de entrega, para junho de 2006.

O custo triplicado, segundo a Secretaria estadual de Meio Ambiente, foi provocado pela inclusão do saneamento do Recreio e de áreas de Jacarepaguá não contempladas no projeto original. No entanto, quatro anos depois de iniciadas as obras e a 14 meses do fim do prazo prometido para a entrega, foram gastos apenas R$178 milhões, ou 42% do total. O gerente da Cedae Aldoir de Souza reconhece que ainda não tem o orçamento assegurado pelo estado, mas garante que o governo pode obter o restante nos próximos dois anos:

¿ Dos R$178 milhões investidos, mais de R$80 milhões saíram ano passado. Já estão assegurados cerca de R$60 milhões em 2005. Em um ano, o Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam) dá R$160 milhões ao estado. É uma questão de prioridade.

Faltam 180 quilômetros de rede coletora

O dinheiro não é o único obstáculo à conclusão da obra no prazo. Ainda que o emissário, algumas elevatórias e outras obras estejam adiantadas, falta instalar 180 quilômetros de rede coletora. Segundo Aldoir, com dinheiro, a Cedae conclui o serviço.

¿ Temos mais de 20 frentes de obra abertas. Com verba, tudo é possível ¿ diz ele.

Se o dinheiro entrar e as máquinas escavarem uma distância equivalente a quase dez vezes a extensão das praias da Barra e do Recreio, o estado terá outra pedra no caminho: a prefeitura do Rio. O projeto prevê a passagem de um duto sob o Bosque da Barra, unidade de conservação do município. A Cedae diz que as árvores não serão afetadas, mas o secretário municipal de Meio Ambiente, Ayrton Xerez, ainda não autorizou a obra. Caso o estado seja forçado a desviar o duto, prazos e custos serão modificados.

O impasse com o município pode atrasar ainda a assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público (MP) estadual. O estado quer lançar, por um ano, a partir de junho próximo, esgoto in natura pelo emissário submarino da Barra, devido aos atrasos na conclusão da estação de tratamento. O termo seria um contorno à lei, já que o despejo de efluentes não tratados no mar é ilegal. Mas, sem o duto do Bosque da Barra, não há sequer como fazer o lançamento sem tratamento, segundo a Cedae.

As lagoas agonizam diante de pendengas legais e políticas desde 1985, quando o MP federal instaurou ação civil pública contra a Cedae para exigir o saneamento da região. Dentro d¿água, as ações foram insuficientes. Repórteres do GLOBO navegaram, na companhia do biólogo Mário Moscatelli, pelas poucas áreas ainda não assoreadas das lagoas, onde prevalecem águas escurecidas pelo esgoto ou verdes pelo excesso de algas tóxicas.

No início da Lagoa da Tijuca, o trabalho da Comlurb parece não ser suficiente para retirar os resíduos sólidos. São milhares de garrafas, plásticos de todos os formatos, poltronas, sofás, pneus e brinquedos, que degradam os poucos manguezais preservados ou recuperados. Colhereiros com asas cor-de-rosa resistem em meio ao lixo.

Na Lagoa de Jacarepaguá, diante da placa afixada pela Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) para evitar a pesca em marés vazantes, pescadores jogavam uma rede. Jurandir Bambino da Silva, de 66 anos, permanece na região por falta de opção:

¿ Peguei só uma tilápia. Está fraco de peixe hoje. Às vezes, eles descem até aqui. Eu vivo disso, não tem jeito. Espero a situação melhorar.

Rede de águas pluviais lança esgoto em canal

Na foz dos rios das Pedras e Anil, moradores de favelas resistem sem infra-estrutura. Ali, as águas um dia limpas viraram esgoto. Na Favela do Anil, a costureira Theresinha de Souza, que passou 40 de seus 75 anos na comunidade, lembra os bons tempos.

¿ Eu já bebi muita água desse rio. Pegava água no balde sem medo e levava para casa ¿ lembra ela, nostálgica, observando um canal sem qualquer vida marinha e com odor quase insuportável.

De volta às águas da Barra, no Canal de Marapendi uma saída de água pluvial da prefeitura mostra que os condomínios mais ricos do bairro também despejam esgoto clandestino. Nas margens, vários terrenos estão ocupados irregularmente. E, numa das ilhas, um muro está sendo construído na frente do manguezal, invadindo claramente a água.

A bióloga Patrícia Mousinho, da ONG Ecomarapendi, diz que as lagoas correm perigo por negligência do estado.

¿ Nos anos 80, falava-se numa grande obra, que não foi adiante por falhas de projeto. Esqueceram-se de que pequenas intervenções poderiam ter mudado a situação das lagoas. Hoje, o problema é gigante.