Título: A FORÇA DO INTERIOR
Autor: Luaciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 03/04/2005, Economia, p. 33

O tigre de Minas

Crédito cooperativo garante a São Roque expansão de oito vezes a média nacional

Encravada à sombra da Serra da Canastra, uma pequena cidade mineira conquistou seu lugar ao sol ao pôr em prática a mais tradicional receita de crescimento econômico: poupança, crédito, educação e tecnologia. São Roque de Minas, a 320 quilômetros de Belo Horizonte ¿ dos quais 30 numa esburacada estrada de terra ¿ tem apenas 6.326 habitantes e uma taxa de expansão do PIB de causar inveja a chineses e demais tigres asiáticos.

Entre 1992 e 1999, a renda per capita do município cresceu 8,73% ao ano, oito vezes a média nacional. E, de lá para cá, a riqueza só fez aumentar. Não há dados recentes sobre PIB municipal, mas os números mostram que a produção de milho em São Roque saltou de 4.950 toneladas em 1999 para 12.600 em 2003. Já o café gerou R$4,5 milhões de receita em 2003, contra R$1,4 milhão em 1999.

Primeira operação de crédito foi com 700 mil mudas de café

Por trás deste avanço, está uma tentativa desesperada de evitar o que parecia ser, no início dos anos 90, o fim da cidade. Com a economia baseada na fabricação do famoso queijo canastra, São Roque se viu ameaçada quando sua única agência bancária, da Minas Caixa, fechou em 1991. Sem banco, o dinheiro não circulava e os queijeiros deslocaram seu comércio para cidades vizinhas. A criação de uma cooperativa de crédito rural, a Sicoob/Saromcredi, deu início à virada.

¿ Nós tínhamos que ir até Piumhi (a 60 quilômetros, na época, só de estrada de terra) para pegar a aposentadoria. Os queijeiros compravam o sal, o querosene, tudo lá. E não sobrava nada para cá. Aí nós tivemos que fazer o banquinho (a cooperativa) ¿ conta Antônio Alves de Faria, de 80 anos.

O banquinho, ou tamborete no apelido jocoso dado pelos céticos, começou com 22 associados. Hoje são 5.981 na matriz e nas quatro filiais da Saromcredi em municípios vizinhos. São Roque, que até a década de 90 via seus filhos migrarem ano a ano ¿ eram 10.078 habitantes na década de 50 e apenas 6.441 no Censo de 1991 ¿ conseguiu gerar empregos e, hoje, a população parou de cair.

De uma economia informal baseada no queijo canastra, São Roque se tornou forte em café e milho, com uma produtividade que supera a média nacional. A cooperativa deu assistência técnica e, numa terra fértil, com clima favorável, adicionou o ingrediente que faltava: crédito.

¿ Antes, os fazendeiros ficavam no queijo e só plantavam para a subsistência. A terra era ociosa e estávamos virando uma cidade-fantasma ¿ lembra o agrônomo João Carlos Leite, presidente da Saromcredi desde sua fundação.

Nos primeiros anos, a cooperativa fazia pagamentos e recebia depósitos à vista. As operações de crédito eram de curtíssimo prazo. Os ganhos vinham do giro inflacionário. Mas, com o Plano Real, as alternativas eram emprestar ou fechar. A primeira transação de crédito foi a compra de 700 mil mudas de café. Para cada dez mil mudas ¿emprestadas¿, os produtores pagaram, dois anos depois, seis sacas de café. Na época, o município tinha apenas 300 mil pés do grão. Graças à sua experiência como agrônomo, João Carlos, ou o Joãozinho do Banco, como é chamado em São Roque, conhecia o potencial do município.

Hoje, a Saromcredi tem R$13,31 milhões em operações de crédito e é a oitava maior cooperativa do Estado de Minas por esse critério.

¿ Estou quase decretando alforria do Copom. O Banco Central subiu juros sete vezes e eu só subi uma vez. O dinheiro de São Roque é aplicado aqui ¿ diz João Carlos.

A Saromcredi financia de eletrodomésticos a máquinas agrícolas. Oferece operações no mercado futuro e antecipação de crédito rural. Mas seu maior trunfo foi a aposta no conhecimento. Com as sobras de recursos, construiu e ajuda a manter uma escola, o Instituto Ellos. Os produtores que solicitam crédito são instruídos, por um agrônomo e um veterinário, sobre como obter o melhor desempenho. Em parceria com a cooperativa de produtores, fechou um convênio para treinar degustadores de café e, assim, qualificar o grão para obter um preço melhor.

Parceria com a França para a certificação do queijo canastra

O próximo passo é criar um certificado de origem para o queijo canastra. A Saromcredi é parceira do governo estadual num convênio firmado com a França. Semana passada, o vice-presidente da federação francesa de produtores de leite, Martial Marquet, visitava São Roque pela quinta vez para trocar experiência sobre queijos artesanais.

¿ É impressionante como a cidade cresceu desde 2000 ¿ afirmou.

Berço do Rio São Francisco, São Roque respira cooperativismo em todos os cantos de seus 2.100 quilômetros quadrados de extensão territorial. Ou, nas palavras de Antônio Alves de Faria, o Tio Antônio:

¿ O jeito é nos ajudarmos ¿ diz o agricultor de 80 anos que doou três hectares à cooperativa para a construção de um silo com capacidade para 9 mil toneladas de grãos. ¿ Já estou no resto. Dei esse terreno para nós podermos guardar o milho e esperar o preço bom ¿ explica.