Título: ELEIÇÃO. EM ROMA.
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 04/04/2005, O País, p. 4

Há 25 anos, na primeira visita ao Brasil, João Paulo II, um ex-operário, fez questão de receber e abençoar um sindicalista cassado pelo regime militar. A história deu voltas. O trabalhador hoje preside o maior país católico do mundo. Ao render homenagens ao Pontífice que acabara de falecer, defendeu a escolha de um Papa terceiromundista, identificado com a pobreza e a fome.

Será? Se for brasileiro, disse Lula, melhor ainda. Nesse caso, o nome mais lembrado seria o do arcebispo de São Paulo, Dom Claudio Hummes, um dos quatro cardeais brasileiros com voto no conclave que vai eleger o sucessor de João Paulo II. A hipótese, porém, é remota.

O último brasileiro que teve seu nome nas listas de papáveis, na sucessão de Paulo VI, foi o então arcebispo de Fortaleza, Dom Aloísio Lorscheider. Recebeu um voto no primeiro conclave de 1978, dado justamente por aquele que viria a ser o Papa escolhido ¿ o italiano Albino Luciani, João Paulo I, que impressionou o mundo com a promessa de ser um reformador mas teve um papado curto, de semanas.

Mas o Papa dos pobres, como querem alguns, pode vir de outro país latino-americano ou mesmo da África. Aí, a lista dos papáveis se amplia, incluindo cardeais como o cubano Jaime Ortega, o mexicano Norberto Rivera, o hondurenho Oscar Rodriguez e o nigeriano Francis Arinze ¿ que seria o primeiro negro a ocupar a cadeira de Pedro no Vaticano.

Vaticanólogos de plantão, conhecedores dos meandros da complicadíssima política da Santa Sé, vêm apostando na hipótese de um Papa italiano. Teria lógica, depois do pontificado do polonês Karol Wojtyla ¿ o primeiro estrangeiro em mais de 400 anos ¿ já que a maior parte dos hierarcas do Vaticano é italiana. É extensa a lista de seus papáveis: o arcebispo de Milão, cardeal Tettamanzi, o chefe da Congregação para os Bispos, Giovanni Battista Re, o vigário geral de Roma, Camillo Ruini, e o atual número dois do Vaticano, cardeal Sodano, entre outros. Estrangeiros que ocupam postos importantes na estrutura da Santa Sé também são cotados, como o prefeito da Congregação para Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger. Quase todos de perfil conservador.

Conclaves papais, porém, são verdadeiros mistérios. Reza a lenda que quem lá entra Papa quase sempre sai cardeal ¿ ou seja, não há favoritos. As escolhas muitas vezes surpreendem, e o próprio João Paulo II pode ter aberto o caminho para uma sucessão que fuja à lógica italiana.

Em 1996, o Papa aprovou nova legislação para o conclave, eliminando métodos de votação que ainda eram admitidos: escolha por aclamação ou por delegação dos cardeais a um grupo menor de eleitores. Agora, cada um dos 117 cardeais com direito a voto ¿ 114 nomeados no pontificado de João Paulo II ¿ terá que se manifestar. Os italianos, embora tenham a maior bancada, com vinte cardeais, não têm, sozinhos, a maioria.

Mas é o próprio legado de João Paulo II que pode abrir o caminho para um Papa dos pobres. Tradicionalista nos costumes, conservador na política, incansável na luta pela paz e aberto ao diálogo com outras religiões, o Papa que se vai foi, sobretudo, um pastor que correu atrás de suas ovelhas nos quatro cantos do mundo.

Foi o primeiro Papa midiático de todos os tempos. Beijava o chão dos países visitados, reuniu multidões nas metrópoles, marcou presença nos povoados, teve gestos como o de tirar o anel papal e dá-lo aos moradores da Rocinha. Foi o primeiro Pontífice a entrar numa sinagoga. Foi à cela, perdoou e abraçou seu agressor Ali Agka, numa das cenas mais impressionantes já vistas. Rezava missa pela internet e até sua morte foi acompanhada por uma vigília mundial em tempo real.

Anticomunista ferrenho, conservador politicamente, tratou com rigor e fulminou os movimentos mais progressistas da Igreja, como a Teologia da Libertação na América Latina. Resistiu a aceitar mudanças nos costumes dos católicos, rejeitando o aborto em qualquer hipótese, o uso de contraceptivos, a ordenação de mulheres e o casamento de padres.

Mas João Paulo II, o Papa pop, levou sua Igreja ao mundo globalizado onde as injustiças sociais não podem mais ser ignoradas por nenhum pastor. Esse caminho não tem mais volta. Ainda que venha a ser um hierarca europeu e conservador do Vaticano, o novo Papa terá que se identificar com a pobreza se quiser manter a integridade de seu rebanho. A miséria, assim como Deus, pode ter muitos nomes, mas no fundo é uma só.