Título: FORA DAQUI O FMI
Autor: Paulo Guedes
Fonte: O Globo, 04/04/2005, Opinião, p. 7

Acredito na possibilidade de construção de uma grande sociedade aberta em terras brasileiras. O ritmo de aperfeiçoamento da superestrutura institucional, porém, tem sido lento. O que resultou em baixas taxas de crescimento econômico e na persistência da miséria nas últimas duas décadas.

Não se pode atribuir o decepcionante desempenho do regime democrático aos dentistas, aos médicos e aos torneiros mecânicos. Mas políticos, jornalistas e economistas são suspeitos de associação ao fenômeno, exatamente pela importância que têm nos processos de formação de opinião e de condução da nova ordem. Nem sempre souberam resistir às tentações do populismo e do dirigismo socialista.

Particularmente preocupante é a quase absoluta ausência da perspectiva liberal-democrata, tese fundadora da moderna civilização ocidental, no debate das questões atuais. Sem uma antítese respeitável ao socialismo ubíquo, como atingir a síntese da sociedade aberta?

Parece exagero? Exemplifico. Decorridos dois mandatos de FHC e meio de Lula, não há nenhum avanço substantivo nas reformas da legislação trabalhista e do sistema previdenciário. De onde resulta que, numa população economicamente ativa de quase 80 milhões de brasileiros, mais de 50 milhões trabalhem sem carteira assinada e, conseqüentemente, sem contribuir para a Previdência Social.

Outro exemplo? A descentralização da ação social do Estado exigiria uma reforma fiscal, redefinindo o pacto federativo. Mas a síndrome centralizadora resiste ao repasse de recursos a estados e municípios, enquanto recorre vorazmente a tributos não-compartilhados.

Exemplo conjuntural? A MP 232 reflete a escalada dos impostos, sob o disfarce da isonomia. Um enfoque liberal exigiria uma dramática redução das alíquotas simultânea a essa ampliação da base, hipótese que jamais esteve sob consideração.

E, para finalizar, um exemplo tão simples quanto radical do tempo e do esforço perdidos quando se é privado da perspectiva liberal. Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, crítico permanente dos déficits fiscais, defensor do regime de câmbio flexível e do controle da inflação pelo Banco Central, quando perguntado sobre o que pensava do FMI, divertia-se em responder: ¿Acho que deve ser extinto.¿ Após 20 anos de tentativas e erros, o Brasil recorreu, finalmente, na última crise externa, à flutuação cambial. Conseqüência? O FMI acaba de ser dispensado. Tornou-se desnecessário.