Título: UM DESAFIO AO PODER DO ESTADO
Autor: Antônio Werneck
Fonte: O Globo, 04/04/2005, Rio, p. 9
Especialistas dizem que assassinos querem impor o terror
A chacina de 30 pessoas na Baixada Fluminense, quinta-feira, foi um recado direto dos criminosos para o governo do estado, que foi afrontado e teve sua autoridade desafiada. A opinião é de intelectuais e estudiosos da violência, que consideram gravíssima a situação de insegurança no Rio. Para eles, o fato de policiais militares estarem envolvidos com o crime, e, além disso, terem degolado um homem e jogado dentro de um batalhão de polícia a cabeça da vítima, representam atos de barbárie e ausência de uma política eficaz de controle da violência.
Gilberto Velho, antropólogo e professor titular do Museu Nacional, cita como culpados os governos municipal, estadual e federal, que ainda não conseguiram agir de forma integrada para ajudar a reduzir a criminalidade. Segundo o antropólogo, a chacina é mais uma prova do alto grau de envolvimento de policiais com o crime no estado que, no momento, foi desmoralizado.
¿ Há 20 anos isso está sendo dito: o estado não oferece condições mínimas de segurança para a população. O que aconteceu na Baixada e a degola nos fundos do batalhão de polícia são uma afronta à sociedade civil. Um desrespeito aos governos municipal, federal e, sobretudo, ao estado, que está absolutamente desmoralizado pelos criminosos. Como o estado vai dar segurança se não consegue controlar nem sua tropa de policiais? ¿ pergunta o antropólogo.
Gilberto Velho não vê diferença entre as chacinas da Baixada e de Vigário Geral, ocorrida em 1993, quando 21 pessoas foram assassinada por PMs. De acordo com ele, os dois casos são o retrato de uma polícia que nunca deixou de matar, torturar e impor o medo:
¿ Nesses dois casos, o que vimos foi um estado que não consegue afirmar sua autoridade e não tem capacidade nem competência para controlar suas próprias forças policiais ¿ critica Velho.
O sociólogo Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Estudo da Violência da Uerj, chama a atenção para a tática usada pelos criminosos com a intenção de desafiar o estado. Cano lembra que o ato de degolar uma pessoa era utilizada na Idade Média, como forma de impor a autoridade através do medo. Ele observa que há diferença entre a violência praticada apenas por bandidos e aquela que tem também a participação de policiais. Mas ambos estão usando a barbárie.
¿ A existência de grupos de extermínio que matam indiscriminadamente, como foi o caso da Baixada, demonstra que o poder do estado está em jogo. A certeza de impunidade foi tão grande que os criminosos não escolheram as vítimas, como faz um bandido quando afronta a polícia. Dessa vez, mataram inocentes numa clara intenção de espalhar o terror e mandar recado para o estado ¿ analisa Cano.
Ele acredita que se o governo falhar na elucidação do crime e na punição dos responsáveis, a sociedade civil estará em risco, já que qualquer morador passa a estar sujeito à ação de grupos de extermínio, que agem para desmoralizar o estado. O antropólogo Rubem Cesar Fernandes, coordenador do Movimento Viva Rio, observa que o crime pode estar ligado às disputas de grupos armados:
¿ A chacina revela um momento de tensão. A violência desse crime mostra que a Baixada Fluminense antiga, aquela que tinha bandos armados que mandavam em áreas da região, continua existindo.