Título: MAIS UMA DE SEVERINO
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 06/04/2005, O País, p. 3

Presidente da Câmara ameaça devolver medidas provisórias a Lula para destrancar a pauta

Inconformado com a impossibilidade de incluir na pauta de votações projetos que considera importantes, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), provocou ontem um grande alvoroço entre os líderes governistas ao anunciar que poderia devolver ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva todas as medidas provisórias que considerar fora dos critérios constitucionais de urgência e relevância e que estão trancando a pauta da Casa. Essa decisão depende de um parecer encomendado ao secretário-geral da Mesa, Mozart Vianna, mas já estabeleceu um clima de incertezas e dúvidas jurídicas.

No ofício, lido por Severino em plenário sob aplausos da oposição, ele pergunta se pode usar para as MPs a mesma prerrogativa que lhe confere o regimento interno da Câmara de devolver, liminarmente, projetos de lei considerados inconstitucionais. A partir daí criou-se um grande rebuliço: de um lado, os líderes da oposição defendendo a devolução; de outro, os governistas dizendo que os trâmites constitucionais das MPs não dão ao presidente da Câmara poderes para decidir, sem o plenário, pela devolução. Ontem, nove MPs trancavam a pauta. A Constituição não trata especificamente do assunto.

¿ Não é retaliação nem ódio a ninguém. Eu quero tomar, dentro das normas, a decisão que for melhor para o país. Como está, ninguém trabalha, o deputado não legisla. Muitas das MPs que trancam a pauta não têm urgência nem relevância ¿ disse Severino.

Chinaglia: só Renan poderia devolver

A reação do líder do governo na Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), foi inflamada. Disse que, se alguém tem poder para devolver MPs, esse alguém não seria Severino, mas o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pois é ao Congresso que elas são dirigidas. Chinaglia lembrou que, além disso, quando chegam, as MPs têm o mérito analisado durante dez dias por uma comissão especial mista. Essa comissão vê se atende ao critério de urgência e relevância. Depois, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) analisa a constitucionalidade.

Segundo o líder do governo, se uma dessas comissões decidir que as MPs devem ser devolvidas, ainda assim o plenário precisa votar.

¿ Na consulta não há menção ao presidente do Congresso, que é quem recepciona as MPs. Caso coubesse a alguém do Parlamento reagir e devolver por uma eventual falha, caberia ao presidente do Senado. Não há elemento que dê ao presidente da Câmara esse poder discricionário ¿ completou Chinaglia.

Depois do discurso de Chinaglia, Severino respondeu que todas essas ponderações serão levadas em conta pelo secretário-geral para dar seu parecer, que deve ser conhecido hoje.

¿ Queremos acertar. Precisamos encontrar algo que devolva aos deputados as condições para que exerçam os mandatos ¿ respondeu Severino.

Goldman: `Vamos perder nosso papel¿

Além dos argumentos de Chinaglia, o deputado Virgilio Guimarães (PT-MG) alertou para o risco de uma crise institucional, pois Severino estaria ferindo o princípio constitucional da harmonia entre os poderes. Já os líderes da oposição, mesmo cautelosos em relação à constitucionalidade da devolução, cumprimentaram Severino e fizeram festa no plenário quando ele anunciou a consulta.

¿ É uma decisão corajosa, de defesa da instituição. Responde ao anseio de cada deputado e da sociedade que esta Casa consiga legislar ¿ disse o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ):

¿ Se não enfrentarmos o excesso de MPs que tratam de até dez questões no mesmo texto, vamos perder de vez o papel de legislar ¿ afirmou o líder do PSDB, Alberto Goldman (SP).