Título: UM PONTIFICADO SEM PRECEDENTES
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Fonte: O Globo, 04/04/2005, Especial, p. 2

OPapa João Paulo II foi eleito em 1978, dois anos após a morte de Paulo VI e alguns meses após o rápido pontificado e a chocante morte de João Paulo I. Quando apareceu no balcão do Vaticano, já eleito e vestido de branco, ficou claro para o mundo e a Igreja que ali estava um Papa diferente.

Karol Wojtyla foi o primeiro Papa não-italiano em muito tempo. Polonês, tendo sofrido os horrores do nazismo e a opressão do socialismo real, sua experiência vital e sacerdotal o levou sempre a olhar de frente as situações conflituosas e perigosas, e tomar decisões claras e inequívocas. Assim que começou a governar, viu-se logo que havia sido inaugurado um novo estilo de papado, que surpreenderia muitos, de muitas maneiras.

O maior trunfo do novo Papa em termos de potencial comunicativo foi certamente o seu enorme carisma. Sua figura forte e vigorosa, sua experiência de ator, que sabe usar o corpo e a fala para captar a atenção do auditório, seus pronunciamentos contundentes e seus gestos expressivos, como o de beijar o chão de cada país que visitava, conquistavam as multidões e enchiam ruas e praças por onde passava, onde se misturavam católicos e não-católicos.

Paradoxal, João Paulo II foi um Papa muito aberto e avançado em alguns aspectos e bastante conservador em outros. De seu punho saíram alguns dos documentos mais avançados que a Igreja já produziu em termos sociais e políticos. Seus encontros com os jovens atraíam muitos milhões em várias cidades do mundo. Manteve firmes as conquistas ecumênicas do Concílio Vaticano II e convocou encontros inter-religiosos como o de Assis, onde diferentes religiões rezavam juntas, louvando o Deus de sua fé em harmonia e respeito. Na entrada do milênio, João Paulo II emocionou o mundo inteiro com seu pedido de perdão por todos os erros da Igreja cometidos no passado e mostrou um desejo inquestionável de diálogo e interlocução com todos os segmentos da sociedade.

Por outro lado, algumas de suas po7ições intra-eclesiais foram de cunho bem mais conservador. Nomeou bispos mais moderados do que os escolhidos por seus antecessores, emitiu normas disciplinares regendo a vida de sacerdotes, religiosos e leigos e pondo limites claros nos campos da moral pessoal, da sexualidade, da bioética, das questões reprodutivas. Advertiu e puniu teólogos mais avançados, mesmo que fossem muito fiéis à Igreja, fazendo-os rever suas posições.

De qualquer forma, sua transparência não deixava dúvidas quanto ao que via como rumo a tomar para a Igreja que governava. Nesse sentido, os 26 anos durante os quais levou o leme da barca de Pedro passarão certamente à História como um período durante o qual a identidade católica buscou clareza e afirmação diante do mundo.

MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio