Título: Poloneses levarão terra para jogar sobre caixão
Autor: Deborah Berlinck, Gina de Azevedo Marques e Monica
Fonte: O Globo, 05/04/2005, Especial, p. 1

Os poloneses queriam trasladar ao país o coração do Papa João Paulo II, mas terão que se contentar em levar uma pequena bolsa de terra para jogar sobre seu túmulo. A prefeita Ewa Filipiak, que governa Wadowice, a cidade natal do Papa a 45 quilômetros de Cracóvia, disse que já recebeu permissão do Vaticano.

Representando os 20 mil conterrâneos do Pontífice, Ewa Filipiak seguirá nos próximos dias para o Vaticano, com a terra de Wadowice e cem habitantes da cidade, muitos deles antigos conhecidos de Karol Wojtyla, para assistir ao enterro.

Antes de Wadowice, também a Cracóvia, a cidade onde Wojtyla viveu por 40 anos, tentou trasladar para o Castelo do Wawel, onde estão sepultados príncipes poloneses e cardeais, o coração de João Paulo II. Janusz Bielanski, padre de Wawel, tentou convencer o Vaticano a deixar o coração do Papa ser sepultado em Cracóvia.

Flores e velas onde Wojtyla viveu

Para os poloneses, a idéia de ter uma espécie de relíquia do Papa ¿ que aqui ninguém duvida que será canonizado um dia ¿ é um conforto pela perda da pessoa que tinham como um pai espiritual.

Segundo Ewa Filipiak, é quase tradição na Polônia o sepultamento no país pelo menos do coração de heróis nacionais. Foi o caso de Frédéric Chopin, que tinha pai francês e mãe polonesa. Quando morreu, em 1849, determinou no testamento que seu corpo fosse sepultado em Paris, mas o coração na amada pátria.

A Polônia viveu ontem o terceiro dia de luto. O mar de flores e velas em frente ao lugar onde João Paulo II viveu até ser eleito Papa, e a multidão, que vela diariamente, com orações e cantos, fizeram com que a polícia isolasse inteiramente a Rua dos Franciscanos, uma das mais importantes de Cracóvia.

Em Cracóvia, Papa ainda é `tiozinho¿

No alto da janela de onde João Paulo II saudou a multidão ainda em 2002, quando visitou Cracóvia pela última vez, um crucifixo grande e um buquê de flores simbolizam o Santo Padre morto. Alguns sacerdotes jovens coordenam as orações, os Pai-Nossos e Ave-Marias que são acompanhados pela multidão com fervor, como se estivessem dentro da igreja.

Também Wadowice vela seu filho ilustre na Basílica de Nossa Senhora, onde João Paulo II foi batizado, ou na casa de nascimento, hoje um museu com batinas e os mais diversos objetos pessoais, como um par de esquis, uma paixão de Karol Wojtyla desde a juventude.

¿ As manifestações são todas espontâneas, as pessoas reúnem-se junto à Basílica porque querem ter a chance de lembrar do Papa que amavam ¿ disse Ewa Filipiak.

Os poloneses costumam falar sobre o Papa como se ele tivesse sido alguém muito próximo. Em Wadowice, onde vivem muitos colegas da escola primária e do ginásio, ele é chamado de Lolek, que significa ¿pirulito¿, apelido que Wojtyla tinha desde a infância por causa do seu rosto redondo. Em Cracóvia, ele costuma ser chamado ¿tiozinho¿.