Título: Cerimônia do adeus sob o céu do VaticanoCerimônia do adeus sob o céu do Vaticano
Autor: Deborah Berlinck, Gina de Azevedo Marques e Monica
Fonte: O Globo, 05/04/2005, Especial, p. 1

O corpo de João Paulo II sobre o altar da imponente Basílica de São Pedro, com o rosto sofrido, impressionava cada um que ali parava para observá-lo. Muitos se recusavam a sair, obrigando funcionários do Vaticano a orientá-los a se afastar: lembravam-nos que do lado de fora havia ainda uma longa fila de peregrinos.

A Guarda Suíça protegia o corpo do Papa, ao lado do qual havia um enorme círio aceso. Suas vestes e seus sapatos tipo mocassim, de estilo moderno, marcavam sua época. A poucos metros estava o corpo embalsamado de João XXIII, morto em 1963, com uma roupa rendada e sapatos de veludo bordados.

No templo, silêncio impressionante

Ninguém na multidão que se comprimia na fila durante mais de sete horas ficava indiferente quando cruzava a gigantesca porta da principal igreja da Cristandade, caminhava alguns metros e se deparava com o corpo daquele que liderou a Igreja Católica nos últimos 26 anos.

¿ Agora que estou vendo o Papa como um defunto, estou sentindo uma enorme tristeza ¿ disse Alessandra Orazi, uma italiana de 27 anos, que, paralítica e mal conseguindo falar devido à emoção, enfrentava a multidão numa cadeira de rodas.

O silêncio no templo era impressionante. O peso da História e dos rituais do Vaticano, também. Como haviam sido retirados todos os bancos da basílica, a multidão entrava numa espécie de avenida que terminava no altar onde estava o corpo do Papa. Durante o percurso, ao som de cânticos religiosos e sob o impacto da beleza do ambiente, alguns se abraçavam. Outros, como Bruna Ramazotti, não conseguiam conter o choro.

Bruna viajara 600 quilômetros de carro do Lago di Garda, no norte da Itália, com os dois filhos, Rafaela e Andrea; a irmã Gianna e o cunhado Alessandro. Queria ver o corpo do Papa a qualquer custo. Ela perdeu o marido há um ano, neste mesmo mês de abril.

¿ Foi uma emoção muito forte. Ver o Papa ali, parado. Ele que era tão ativo. Senti a presença de meu marido ¿ afirmou.

Foi um momento mágico também para duas brasileiras: a baiana Ernanda Souza dos Santos, de 25 anos, e a maranhense Livramento Correia Pinto, de mesma idade. Emocionadas, elas mantiveram os olhos fixos no corpo do Papa. Na saída da basílica, conscientes de que haviam vivido um momento histórico, ficaram abraçadas e enroladas na Bandeira do Brasil.

¿ Vê-lo agora, com o rosto sereno, comoveu-me bastante ¿ disse Ernanda, estudante de educação.

Solidariedadena longa espera

Ernanda e Livramento haviam passado toda a tarde na fila e haviam comido apenas duas barras de chocolate, dispostas a virar a noite, se preciso, para ver o corpo do Papa. Em determinado momento, no meio da multidão, Livramento reconheceu à sua frente um rapaz de Brasília, que tinha uma pizza na mão. Esfomeada, ela gritou:

¿ Por favor, me vende!

E o brasileiro fez questão de lhe dar uma fatia, passada a ela de mão em mão pelas pessoas que estavam entre os dois.

Ernanda contou que vira o Pontífice de perto numa audiência coletiva no Vaticano, em 19 de março de 2004.

¿ Tive a oportunidade de beijar a mão do Papa na ocasião. Eu o vi vivo e queria vê-lo na morte ¿ afirmou.

Quando entrou na basílica, Livramento reconheceu na voz que saía dos alto-falantes trechos do Salmo 22 da Bíblia. Católica fervorosa que vive na Itália há seis anos, ela contou que foi abençoada pelo Papa na missa da quinta-feira de Páscoa de 2003. Ontem, emocionou-se no minuto em que pôs os olhos no corpo do Papa, o que, para ela, valeu por uma vida.

¿ É uma experiência que nunca esquecerei ¿ disse.

Na longa fila de espera, algumas pessoas rezavam o terço, outras liam jornais ou observavam imagens de João Paulo II exibidas em telões na Praça de São Pedro. A irmã Simone, da Áustria, comentou:

¿ Para mim ele foi outro Cristo. Viveu verdadeiramente a vida de Jesus. Mostrou-nos como viver, como sofrer, como amar e até como morrer.

Perguntada sobre a demorada espera, ela respondeu:

¿ Ele sacrificou sua vida pela Igreja, portanto algumas horas nada significam.

À saída do templo, a irmã Maximina Semita, do México, comentou:

¿ Caminhar ao encontro dele nessa igreja tão grande, tão grandiosa, foi como entrar no Paraíso ao encontro de um santo. Senti muitas emoções, tristeza por nossa perda e alegria por ele estar no Paraíso.