Título: UM MILHÃO DE FIÉIS JÁ VIRAM O CORPO DO PAPA
Autor: Debora Berlinck, Gina de Azevedo M. e Monica Y.
Fonte: O Globo, 06/04/2005, O Mundo, p. 28

Espera chega a dez horas, mas peregrinos se mostram pacientes nas várias filas que são obrigados a enfrentar

e Monica Yanakiew

CIDADE DO VATICANO. O Vaticano informou ontem que a cada hora mais de 18 mil pessoas passavam em frente ao corpo de João Paulo II, e que ao fim do dia chegava a um milhão o total de visitantes desde que fora iniciado o velório público, segunda-feira, na Basílica de São Pedro.

Na fila de fiéis de mais de dois quilômetros, muitos carregavam bandeiras de seus países, crucifixos, retratos do Papa e sombrinhas para se protegerem do sol. Vários se sentiram mal. À noite, houve quem se enrolasse em cobertor para afugentar o frio. Peregrinos jovens e idosos rezavam e entoavam cânticos religiosos, numa lenta e pacífica passeata.

Contida por cercas de metal, a multidão seguia disciplinada e organizada pela Via della Conciliazione, uma ampla avenida que desemboca na Praça de São Pedro. Mas em algumas ruas estreitas adjacentes a situação era confusa com os inúmeros peregrinos que chegavam, bloqueando o trânsito.

¿ Está fora do controle, mas todo mundo é tão paciente, tão gentil. É uma multidão muito pacífica ¿ disse um policial que não quis se identificar.

Muitos jovens no meio da multidão de fiéis

Quantas horas poderia demorar o último adeus a João Paulo II? Depende. Quem veio de trem a Roma teve que esperar duas horas para entrar no metrô que vai da estação de Termini às portas da Cidade do Vaticano. Quem madrugou na entrada da Praça São Pedro continuava à noite na fila, onde o tempo de espera chegava a dez horas.

Filas em Roma são comuns. É o que dizem os moradores acostumados a esperar no trânsito engarrafado, à porta das agências bancárias e nos correios. Mas como as de ontem, ninguém se lembrava de ter visto.

¿ Nunca vi filas tão longas e ao mesmo tempo tão ordenadas. As pessoas sabiam que esperariam horas e mais horas, em pé e no calor. E não reclamavam. Queriam estar lá ¿ disse Salvo Pennini, de 29 anos.

Na multidão, impressionava o número de jovens. Muitos, como Pennini, admitiam que não vão à missa, mas afirmavam que estavam ali pelo Papa.

¿ Não tem nada a ver com religião ¿ disse Pennini. ¿ João Paulo II é admirado pelo homem que foi. Um homem que mesmo sofrendo foi capaz de transmitir serenidade a todos que acompanhavam seu sofrimento. Que podendo se isolar no luxo do Vaticano, esteve no meio do povo até o último momento. Que fazia piadas, brincava com as crianças e, quando mal podia falar, soube dizer tanta coisa.

E o Papa conservador que condenava o uso de anticoncepcionais, o aborto e o divórcio? Carla Simonetti, de 22 anos, calças jeans rasgadas nos joelhos e brincos nas orelhas e no nariz, opinou:

¿ Não associo esse conservadorismo ao Papa. João Paulo II é João Paulo II. O resto é coisa da Igreja, da qual discordo em muitas coisas, mas que tampouco condeno. O Vaticano está fazendo seu papel, defendendo sua doutrina.

Nas intermináveis filas, pessoas com roupas exóticas chamavam atenção. Era o caso de um indiano de batina preta, que parecia um cardeal, mas exibia na cabeça um turbante. Cyril Mar Baselios, chefe da Igreja Católica Autônoma Malankara, veio a Roma com um pequeno séquito. Contou que João Paulo II foi duas vezes à Índia, onde os católicos representam apenas 5% da população, e que é lembrado com carinho em seu país, especialmente em Calcutá, terra de Madre Teresa.

Pizzarias da vizinhança nunca estiveram tão movimentadas, assim como lojas que vendem retratos do Papa, calendários católicos, terços e outros objetos. Moradora da área, Bianca Maria Ricucci, de 66 anos, afirmou, referindo-se ao Papa:

¿ É seu primeiro milagre ter atraído todas essas pessoas aqui.

O velório público será encerrado amanhã à noite, quando começam os preparativos para o funeral, na sexta-feira.