Título: Claros e escuros
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/04/2005, Panorama político, p. 2

Saindo do Brasil para ficar ausente nove dias, o presidente Lula deixa boas e más ocorrências em seu governo, algumas a exigir atenção mesmo de longe. Boa: o almoço de anteontem entre os ministros Palocci e Dirceu, que parece ter produzido um pacto importante. Ruim: o tiroteio contra o ministro da Previdência, no qual entrou ontem o ex-presidente da Câmara João Paulo.

Começando pelo almoço, pode ter sido ele o responsável pela mudança do humor de Dirceu, percebida por muita gente no Planalto. De sorumbático nos últimos dias, passou ao exuberante ativismo de sempre. Estava literalmente saltitante, observou um colega, na festinha de aniversário de dona Marisa Letícia. Sabe-se que ele gostou da conversa, definindo-a como excelente. Palocci, o sereníssimo, também falou dela como muito positiva e importante. A iniciativa foi dele, mais dado a gestos conciliadores. Um dos resultados será visto na reunião da tendência majoritária do PT, neste final de semana no Rio, para discutir o chamado PED, processo de eleições diretas, que define a linha política e elege a direção do partido. Eles viajarão juntos e Dirceu fará coro a Palocci na defesa da política econômica. Para Lula, a paz entre eles é mais que um desejo, é uma necessidade. Um dos pontos sobre os quais teriam se entendido é a execução orçamentária, que é na verdade a fonte das críticas de Dirceu. Ele acha que com um Orçamento tão seco o governo não atenderá a algumas promessas, não realizará o que é preciso este ano e a conta política virá. Palocci teria concordado em acelerar as liberações, discutindo as prioridades com o Planalto, assim como as novas restrições, se necessárias. Sem prejuízos para o superávit mas com maior atenção ao déficit de realizações acumulado. Teriam combinado ainda tapar os ouvidos contra as intrigas, evitar o fogo amigo (de que a Fazenda tanto se queixa) e buscar sempre a linha direta.

Agora há a situação do ministro Romero Jucá, por cuja nomeação empenhou-se tanto o PMDB. Ontem o deputado João Paulo praticamente pediu sua cabeça, ao cobrar explicações sobre a denúncia de que ele deu em garantia financeira terras que não possuía na Amazônia. A situação do ministro complicou-se pelo fato de ele ter feito emendas a uma MP, apontando algumas glebas na Amazônia que poderiam ser usadas para pagar débitos previdenciários. Rejeitada na Câmara, a emenda foi reinserida no Senado. Voltando novamente à Câmara, foi duramente criticada pelo deputado Sérgio Miranda. Só votaram contra o PCdoB e o PFL. Aprovada, o presidente vetou-a. Ao explicá-la, Jucá e os peemedebistas disseram ter sido a emenda objeto de um acordo com o ex-líder Professor Luizinho e o então presidente da Câmara, João Paulo, que refutou categoricamente a afirmação. De fato, quem presidiu aquela votação foi o deputado Inocêncio Oliveira. João Paulo deu ainda razão a Severino Cavalcanti na questão do abuso de MPs. Tem lá suas mágoas com o governo. Já o agravamento da situação de Jucá complica a aliança com o PMDB.

Por fim, há ainda a nova querela de Severino, que ameaça rejeitar MPs sobre temas não urgentes nem relevantes. Mas isso o Palácio tratava ontem com tranqüilidade, acreditando que Severino tomou o caminho errado. Quem deve analisar a admissibilidade das MPs é uma comissão especial mista de deputados e senadores. Em último caso, o plenário bicameral do Congresso. Não apenas Severino ou a Casa que preside. Com ele, Lula pode conversar hoje, no avião.