Título: É PRECISO MUDAR A ESTRATÉGIA
Autor: CLÓVIS BRIGAGÃO
Fonte: O Globo, 07/04/2005, Opinião, p. 7

Como saber se o tamanho de um país grande e de enormes riquezas como o nosso poderia ser medido por indicador de grandeza e diversidade? Tomemos a distribuição dos recursos provenientes dos recursos de ciência e tecnologia destinados às várias áreas do saber. Em primeiro lugar, não há nas agências brasileiras de fomento à pesquisa o campo específico para as relações internacionais ¿ ainda sob o primado da coirmã ciência política e dentro dela, lá no último escalão, a política internacional. Menos ainda, inexiste a área de estudos e pesquisa da paz, bem como a prevenção, resolução e gestão de conflitos internacionais.

Ora, o nosso país dispõe de uma política externa com centenária tradição pacífica de resolução de conflitos e tem contribuído, significativamente, para as missões de paz da ONU. Pretendemos também assumir uma posição mais ativa (e altiva) nos fóruns regionais e internacionais e até mesmo buscamos assumir uma liderança capaz de projetar esse nosso patrimônio pacífico no entendimento e nas negociações multilaterais. Para tal projeção e ação coordenadas no plano internacional, tanto pela nossa expertise diplomática, como pela nova política de defesa e pelos esforços acadêmicos e da sociedade civil, o que se observa é que não há praticamente nada consistente oferecido pelas agências de fomento à pesquisa, quer no plano estadual das fundações de apoio à pesquisa, como no nosso sistema federal a partir de CNPq, Capes e Finep.

O Itamaraty dispõe de meios e modos próprios e nas últimas décadas tem produzido um relevante serviço pela produção de coletâneas e publicações sobre a inserção brasileira no mundo. O Ministério da Defesa, recém-criado, começa timidamente a implementar, através de seu Departamento de Estudos e Cooperação, uma certa integração com o mundo diplomático e acadêmico, a fim de prover, com estudos e análises, os cenários que envolvem as nossas projeções de defesa e segurança. Na área acadêmica, temos hoje cerca de 60 cursos de graduação em relações internacionais, com milhares de estudantes, alguns centros ou institutos, em universidades públicas e privadas, com mestrados e cursos de pós-graduação e, apenas, dois doutorados.

Na área dos estudos e pesquisa da paz e da prevenção e resolução de conflitos internacionais, apenas agora, neste nosso imenso país ¿ cercado por dez vizinhos e tecendo uma teia de alianças como novo ator global ¿ temos um primeiro Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon), cujo objetivo central é o de organizar um programa de formação, treinamento e capacitação de especialistas para fomentar, numa perspectiva multidisciplinar, a inserção internacional do Brasil nos assuntos multilaterais de prevenção, reconstrução e administração de sociedades que acabam de passar por crises e graves conflitos.

É a contribuição brasileira para a resolução pacífica dos conflitos. Além da participação das Forças Armadas brasileiras em missões de paz, como nos recentes casos de Timor e do Haiti, temos que contribuir com conhecimentos e capacitação para políticas públicas, como administração e desenvolvimento de mecanismos democráticos, de justiça, serviços para saneamento, saúde, educação etc. Será a contribuição de nossos recursos como especialistas civis, com formação acadêmica e cultura da paz.

Para tanto, devemos fortalecer essa área entre as que são contempladas com financiamentos das agências de fomento. Veja que somente o ano passado, a Defesa, do ponto de vista militar, contou com a liberação de R$37 milhões dos fundos setoriais do Ministério da Ciência e Tecnologia. Não nos consta que a área dos estudos e pesquisa da paz, da prevenção e da resolução de conflitos internacionais tenha sido contemplada com qualquer fundo setorial, o que é incompreensível diante da posição que o Brasil quer assumir internacionalmente. Eis, pois, um desafio que as agências de fomento do governo, o Congresso e as empresas privadas brasileiras deveriam repensar suas estratégias e concentrar parcerias com centros de pesquisas voltadas para a construção de mecanismos de confiança mútua made in Brasil. Trata-se de um compromisso secular de nossa política externa e que a sociedade brasileira vem assumindo para que se aumentem as condições de inserção do Brasil no mundo globalizado.