Título: DÓLAR LADEIRA ABAIXO
Autor: Luciana Rodrigues e Patrícia Eloy
Fonte: O Globo, 08/04/2005, Economia, p. 19

Moeda tem 10ª queda seguida e fecha abaixo de R$2,60. Exportação continua em alta

Odólar emplacou ontem a décima queda seguida e fechou cotado abaixo de R$2,60 (a R$2,596, em baixa de 0,30%) pela primeira vez desde 28 de fevereiro. Mas, como vem se repetindo há 22 dias, o Banco Central (BC) acompanhou apenas de longe o movimento do mercado à vista. Diferentemente do que ocorreu no último episódio recente de valorização do real, quando o BC atuou de forma agressiva no câmbio (entre 6 de dezembro e 16 de março, foram comprados US$12,82 bilhões no mercado), a estratégia agora parece ser outra. Os bons resultados da balança comercial e as crescentes preocupações com a inflação fazem a maioria dos analistas acreditar que, daqui para frente, o BC não vai se esforçar para segurar o câmbio.

No mercado futuro, já são quatro semanas seguidas sem os leilões de swap cambial, com os quais se tornava comprador de dólares. Os leilões, iniciados em 2 de fevereiro, enxugaram moeda do mercado, com impacto na cotação à vista.

E, por enquanto, a tendência é mesmo de queda do dólar, dizem os especialistas. A moeda tem se desvalorizado no mundo inteiro e as vendas externas brasileiras, em que pese as queixas dos exportadores sobre a apreciação do real, têm quebrado recordes seguidos. Em março, o fluxo de câmbio para o país com operações de comércio exterior foi de US$4,56 bilhões, acima dos US$3,52 bilhões de fevereiro. Enquanto isso, minguaram os investimentos estrangeiros de curto prazo, que na virada do ano inundaram o mercado brasileiro, atraídos pelas elevadas taxas de juros pagas pelas aplicações.

¿ Em dezembro, o BC percebeu que havia um ingrediente de capital especulativo na queda do dólar e atuou para evitar uma apreciação excessiva do real. E foi eficaz. Em fevereiro, a posição dos estrangeiros apostando na queda do dólar somava US$3,5 bilhões. Essa posição ficou praticamente em zero no fim de março ¿ explica Carlos Carvalho Júnior, sócio da Saga Investimentos.

Preocupação com a inflação

Darwin Dib, economista do Unibanco, acrescenta que a prioridade do BC é manter a inflação o mais próximo possível de sua meta, que é de 5,1% este ano. Hoje, as projeções de mercado são de 5,88%. O dólar baixo torna os produtos importados mais baratos e ajuda a conter a inflação. Além disso, afirma Dib, o comércio exterior brasileiro tem mostrado um vigor acima das expectativas, apesar da valorização do real. O Unibanco, que estimava o saldo comercial do Brasil este ano em US$28 bilhões, agora já prevê US$36 bilhões.

Para Luís Fernando Lopes, economista do Banco Pátria, o cenário externo nebuloso ¿ com risco de uma alta mais acelerada nos juros dos EUA e temores de que a forte elevação nos preços petróleo gere inflação em todo o mundo ¿ faz com que o BC descarte uma volta ao mercado:

¿ Se o petróleo se mantiver em níveis elevados, pode haver repasse de preços, o que nos empurraria para o teto da meta, de 7%. Então, nesse sentido, o câmbio acaba sendo a variável que a autoridade monetária pode usar para fazer a sintonia fina com a política monetária.

A economista Cecília Hoff, do Grupo de Conjuntura da UFRJ, lembra que a queda do dólar no Brasil não depende apenas da ausência do BC, mas segue uma tendência global:

¿ É a resposta dos mercados aos elevados déficits comercial e fiscal dos EUA, que colocam em risco a sustentabilidade da economia.

Dados da Economática mostram que, nos últimos dez meses, de uma cesta de oito moedas, a maior perda do dólar foi frente ao real (18,7%).

¿ Mas não há motivos para preocupações. A balança comercial tem mostrado que um dólar mais fraco não reduz nossa competitividade externa ¿ avalia Hoff.

Os exportadores reclamam, mas em março, quando a cotação do estava em torno de R$2,60, a balança comercial brasileira registrou superávit de US$3,349 bilhões. Foi o maior resultado mensal de 2005.

O dentista Abner Senna Pires, comemora tendência de queda do dólar: 70% do material com que trabalha em seu consultório são importados.

¿ No ano passado, quando a cotação estava mais alta, os importadores só vendiam em até duas vezes. Hoje, já é possível comprar em até dez vezes. E o cliente se beneficia, porque posso alongar os prazos de pagamento dos tratamentos ¿ diz.

As empresas também estão aproveitando o dólar barato para quitar dívidas no exterior. Entre janeiro e fevereiro, elas renovaram apenas 75% de seus compromissos no exterior, liquidando os outros 25%.