Título: LULA: `NÃO PRECISO PROVAR QUE SOU CATÓLICO¿
Autor: Cristiane Jungblut e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 08/04/2005, O Mundo, p. 28

Presidente diz que é homem de muita fé. No vôo para Roma, religiosos da comitiva oficial realizam culto ecumênico

BRASÍLIA E RECIFE. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, antes de embarcar para a Itália, onde acompanha hoje o funeral do Papa João Paulo II, que não precisa provar que é católico e que freqüenta a Igreja. Lula, a primeira-dama Dona Marisa Letícia e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, chegaram à Embaixada do Brasil em Roma ontem, às 20h de Brasília (uma hora da madrugada no fuso horário local).

¿ Já fui um freqüentador de Igreja maior do que sou hoje. Quando vou à missa, comungo. Fui coroinha quando jovem. Sou um homem que não preciso provar a cada dia que sou católico ou que creio em Deus. Crer em Deus é uma relação pessoal, que não preciso tornar pública. Todos sabem que sou um homem de muita fé ¿ disse Lula, em entrevista ao radialista Geraldo Freire, da ¿Rádio Jornal do Commercio¿, em Recife, onde o avião presidencial fez uma escala ontem de manhã.

Em nenhum momento, Lula referiu-se ao cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Scheid, que terça-feira, ao chegar a Roma, disse que Lula ¿não é católico, é caótico¿. Anteontem, o presidente foi defendido pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, que disse que o presidente é católico.

Lula: ¿Fazemos política moderna¿

O presidente afirmou que quis dar uma conotação ampla à comitiva brasileira em homenagem ao ecumenismo pregado pelo Papa João Paulo II e pela sua luta em favor da paz. Lula referiu-se também a sua decisão de convidar os ex-presidentes Fernando Henrique e José Sarney para integrar a comitiva:

¿ Fazemos política civilizada e moderna. Temos divergências, mas desejamos que o Brasil cresça, gere riquezas e que elas sejam distribuídas.

Fernando Henrique disse que não se sentia constrangido em viajar ao lado do adversário político:

¿ Essa viagem é uma confraternização num momento de comoção mundial. É responsabilidade do chefe de Estado convocar os antecessores para ir ao funeral.

No vôo de 12 horas para Roma, Lula e seus convidados participaram de um culto ecumênico realizado pelos religiosos que integram a comitiva oficial. O culto, de 20 minutos, foi celebrado pelos representantes das igrejas católica, luterana, judaica e islâmica, no momento em que o avião sobrevoava a Ilha de Fernando de Noronha.

Lula, Fernando Henrique e Sarney também falaram sobre política. A conversa só parou quando a comitiva assistiu a dois filmes: ¿Alguém tem que ceder¿ e ¿Pelé eterno¿.

O vôo foi descontraído: todos cantaram parabéns para a primeira-dama Marisa Letícia, que ontem completou 55 anos. Lula, Fernando Henrique e Sarney tiraram fotos juntos. Bem-humorado, Fernando Henrique brincou quando o garçom lhe disse qual era o cardápio do vôo, que incluía guisado de bode ensopado, camarão e fritada de lula.

¿Ah, fritada de lula eu não como, se não o Lula me mata ¿ disse Fernando Henrique.

Mesmo quando o assunto passou a ser as declarações de Dom Eusébio o clima permaneceu ameno. Lula contou que o cardeal-arcebispo do Rio já se desculpara e por isso considerava o episódio encerrado. Severino ironizou o fato de o cardeal ter imitado seu sotaque nordestino:

¿ Ele estava meio bêbado, não? Ou isso, ou não tem o que fazer. E por isso fica imitando os outros. Esse cardeal estava precisando de um internamento. Ele fala uma coisa num dia e em outro fala outra coisa ¿ disse Severino.

O presidente da Câmara também fez o presidente Lula rir. Severino disse que fez um bem ao presidente com suas declarações sobre a reforma ministerial. Severino ameaçou ir para o oposição se Lula não nomeasse o deputado Ciro Nogueira (PP-PI) ministro das Comunicações. Por causa dessa declaração, Lula desistiu de uma ampla reforma ministerial.

¿ Quando eu exigi que o deputado Ciro Nogueira fosse nomeado ministro, eu sabia do impacto que minha declaração teria ¿ disse Severino.

Antes do embarque de Lula e da comitiva de 15 pessoas, na Base Aérea de Brasília, ontem de manhã, o presidente posou ao lado de Fernando Henrique, Sarney, Severino e dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, que também viajaram a Roma.

Culto ecumênico na área privativa

O culto ecumênico foi realizado na ala privativa do avião presidencial, onde viajaram Lula, dona Marisa, Fernando Henrique, Sarney, Severino, Renan, Jobim e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O ato religioso começou com as palavras do arcebispo de Brasília, Dom João Braz Aviz, que destacou o caráter inédito da comitiva e fez uma oração em homenagem ao Papa João Paulo II.

Em seguida, falaram o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Odilo Scherer, o pastor Rolf Schünemann, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, que leram trechos do Salmo 120. O Xeque Armando Houssein Saleh pediu ¿proteção do criador aos país e seus governantes¿.

Já o rabino Henry Sobel elogiou João Paulo II, ressaltando o ¿caráter amplificador e congregador do religioso¿.

Também integram a comitiva o padre José Ernanne Pinheiro, da CNBB, e o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho. O avião partiu de Brasília às 7h30m. Dona Marisa e Gilberto Carvalho voltam sábado, em vôo comercial. O resto da comitiva retorna domingo, no Sucatinha (Boeign 737), avião reserva da Presidência, com exceção de Lula e seus assessores diretos, que domingo viajam a África, onde ficam até o dia 14.

COLABORARAM: Deborah Berlink e Mônica Yanakiev