Título: ESQUECENDO AS DIFERENÇAS
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 09/04/2005, O País, p. 3

Funeral do Papa reúne em clima de conciliação Lula, Fernando Henrique, Sarney e Itamar

Um fato histórico, o encontro inédito que reuniu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Itamar Franco, chamou a atenção dos bispos e cardeais brasileiros ontem na cerimônia fúnebre do Papa João Paulo II e até de autoridades estrangeiras. Foi motivo, sobretudo, de orgulho para Lula, que aproveitou a ocasião para fazer um discurso de conciliação política ao se referir ao antecessor Fernando Henrique Cardoso.

¿ Eu sonho que um dia nós poderemos ter as divergências que quisermos ter, mas tem momentos em que nós nos tornamos seres superiores, sem as nossas disputas internas e podemos conversar sobre problemas e interesses comuns do país. Sem nenhum problema. Acho que esse é o mundo que nós queremos criar e acho que o Brasil está preparado ¿ disse Lula, em entrevista, após o funeral.

Lula: ¿É como num jogo de futebol¿

O presidente estava tão entusiasmado que deixou para trás os conflitos que marcaram as relações entre tucanos e petistas nos últimos meses e nem pensou em 2006, quando estarão, mais uma vez, em palanques distintos. Minimizou todas as diferenças e adotou seu discurso preferido: comparou os quatro presidentes a uma seleção brasileira, ressaltando que quando eles vestem suas cores partidárias, apesar da amizade que os une, querem ganhar a partida e marcar mais gols.

¿ Eu penso que as diferenças entre os políticos são uma coisa que deve ser vista com naturalidade. É como quando se vê um jogo de futebol que tem dois companheiros que jogam juntos na seleção. É o caso da disputa do Real Madrid e do Barcelona, que vai ocorrer por estes dias. Você vai ver os Ronaldinhos (Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho), que estão em times diferentes. Eles são amigos, são íntimos, mas cada um deles vai querer ganhar o jogo, fazer a melhor partida e marcar mais gols. Na política nós poderemos em algum momento estar disputando alguma coisa. Mas tem momentos em que temos de estar juntos ¿ disse Lula.

A união dos quatro em Roma chamou a atenção do presidente da França, Jacques Chirac, e do ex-primeiro-ministro português Durão Barroso, que fizeram questão de tirar fotos com os brasileiros. Lula quis registrar o acontecimento e quebrou os protocolos: como não podia contar com o fotógrafo oficial da Presidência, Ricardo Stuckert, pediu que o fotógrafo da Presidência francesa fizesse o registro.

¿ Não sei em que momento da História do Brasil se conseguiu juntar quatro presidentes. Como não tinha um fotógrafo nosso lá, pedi para o fotógrafo do (Jacques) Chirac tirar uma fotografia nossa para que a gente tenha isso como recordação, como História ¿ disse Lula.

Para ele, esta foto entrará para a história política do país como um momento democrático e de civilidade.

O presidente fez questão de lembrar a amizade com Fernando Henrique Cardoso e seu apoio à candidatura do ex-presidente para o Senado por uma sublegenda do MDB nas eleições de 1978. Esses laços, segundo Lula, fazem com que eles se tratem de forma civilizada, mas que isso não impede que disputem quando for o caso.

¿ Vou só dar um exemplo. Eu tinha um irmão (Frei Chico, militante do PCB) que discordava da minha inclinação política. E qual era o trato que eu tinha com ele, quando a gente se encontrava, na casa dele ou na minha? Não discutíamos política. Então, eu não ia convidar esses companheiros para viajar junto para discutir divergências com eles dentro do avião. Num espaço que você não tem nem como evitar, como sair (gargalhadas) ¿ disse Lula.

O caso brasileiro não foi o único. Lula fez questão de citar o presidente George W. Bush, que trouxe a Roma no Air Force One, o avião do presidente dos Estados Unidos, seu pai, o ex-presidente George Bush, e um adversário, o ex-presidente Bill Clinton.

Bons momentos a bordo do AeroLula

Lula disse que durante a viagem até Roma, no AeroLula, cuidou de criar momentos agradáveis para que todos se sentissem bem, unidos e estimulados a buscar convergências. Eles estiveram unidos quando assistiram ao filme ¿Pelé eterno¿ e foram, certamente, encorajados à maior tolerância com o sugestivo título do filme seguinte: ¿Alguém tem que ceder¿.

O presidente não estava disposto a novas polêmicas e sequer voltou a defender a possibilidade de o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, ser eleito o novo Papa:

¿ Já conversei com Dom Cláudio hoje. Ele deve estar, ele e os cardeais brasileiros, pensando no que vai acontecer nos próximos dias. Deve ser uma tarefa muito difícil. Mas nessas coisas a gente não pode dar palpite. Daqui a pouco vão me colocar como cabo eleitoral de Dom Cláudio. Obviamente que eu seria o mais feliz dos seres humanos se Dom Cláudio fosse eleito Papa.