Título: REUNIÃO DE POVOS E CRENÇAS NA DESPEDIDA DO PAPA PEREGRINO
Autor: Deborah Berlinck, Gina de Azevedo M. e Monica Y.
Fonte: O Globo, 09/04/2005, O Mundo, p. 32

Multidão interrompe missa e pede canonização de João Paulo II aos gritos de

`Santo já¿. Funeral comovente congrega mais de 2.500 representantes de países

Até em seu funeral ¿ o maior da História do Vaticano ¿ João Paulo II conseguiu o inesperado. Comovidos diante de seu caixão, na Praça de São Pedro, inimigos de toda uma vida ¿ como os presidentes de Israel, Moshe Katsav, e da Síria, Bashar al-Assad ¿ se deram as mãos. Líderes de quase todas as religiões acompanharam a missa, rezada em latim, mas também em italiano, espanhol, inglês, alemão, francês, suaíli, tagalog, português e polonês. Milhares de jovens de vários cantos do mundo interromperam 13 vezes a homilia com aplausos, enquanto a multidão de 300 mil pessoas na praça pedia a imediata canonização do Papa: ¿Santo subito!¿ (Santo já).

Do alto do Vaticano, Pino di Salvo olhava a praça e o mar de bandeiras ¿ na maior parte vermelhas e brancas, as cores da Polônia. No chão, nos telhados e nas colinas em volta, centenas de câmeras de TV transmitiam a cerimônia ao vivo para 90 países. Era tudo muito diferente de 1978, quando Salvo narrou ao vivo os funerais dos papas Paulo VI e João Paulo I.

¿ Na época, só havia três canais de televisão italianos, que transmitiam ao vivo o funeral. E eu trabalhava para um deles. Hoje, nem sei quantos são ¿ contou ele.

Cardeal faz referência a jovens durante a missa

O funeral do Papa foi tão simples quanto seu caixão de cipreste ¿ com apenas uma cruz e letra M da Virgem Maria ¿ sobre o qual foi posto aberto um livro do Novo Testamento, que o vento se encarregou de folhear. Mas para quem entende os ritos e a História da Igreja Católica, foi cheio de simbologia. A começar por Joseph Ratzinger, o decano do Colégio dos Cardeais, que rezou a missa. Respeitado como teólogo e defensor da doutrina eclesiástica, esse alemão de 77 anos foi quem propôs o nome do cardeal polonês Karol Wojtyla para candidato de consenso em 1978. O homem que o ajudou a se tornar Papa foi o mesmo que presidiu sua cerimônia de despedida, 26 anos depois. E hoje é considerado seu possível sucessor.

¿ Podemos estar certos que nosso amado Papa está em pé hoje na janela da casa do Pai, que ele nos vê e nos abençoa ¿ disse Ratzinger, provocando lágrimas e aplausos.

Não foi a única vez que ele interrompeu a cerimônia de duas horas e 40 minutos para ouvir a multidão aplaudir e gritar: ¿Viva o Papa!¿ A primeira delas aconteceu quando ele mal iniciava a homilia ¿ em tom quase coloquial para uma ocasião tão solene ¿ lembrando a vida e a obra de João Paulo II.

Ratzinger começou a missa agradecendo a presença dos 2.500 representantes de todas as religiões e povos, entre eles cinco reis, seis rainhas e pelo menos 70 chefes de Estado e de governo. Estavam ali líderes muçulmanos, judeus, budistas e protestantes. Mas em seguida fez uma menção especial aos jovens anônimos ¿ aqueles que João Paulo II conquistou em suas andanças pelo mundo, e aos quais teria dedicado suas últimas palavras.

Pouco foi dito do Papa que, depois de uma década de sofrimento, morreu sábado passado. Ratzinger preferiu lembrar o jovem polonês que amava teatro e poesia, que trabalhava numa fábrica durante a Segunda Guerra Mundial e que, ¿rodeado e ameaçado pelo terror nazista¿, descobriu sua vocação religiosa. E o Papa incansável, que viajava mundo afora, pregando a união dos povos e a esperança de um futuro melhor.

¿ ¿Levantem-se, vamos!¿, é o título de seu penúltimo livro. Com essas palavras ele nos acordou de uma fé cansada. ¿Levantem-se, vamos!¿, ele nos diz ainda hoje ¿ afirmou o cardeal, interrompido por aplausos.

Pouco antes de comungarem, os fiéis na praça ¿ e também jornalistas, diplomatas e religiosos que acompanhavam a cerimônia do alto das colunas do Vaticano ¿ apertaram as mãos, desejando paz.

Em meio ao forte esquema de segurança montado para o funeral, um caça da Força Aérea Italiana forçou um jato a pousar perto de Roma, devido à suspeita de que levava uma bomba. Não foram encontrados explosivos e o avião continuou a viagem até o aeroporto Ciampino, onde pegaria uma delegação da Macedônia.

Visitas ao túmulo a partir de segunda-feira

Os sinos da basílica tocaram quando 12 homens ergueram o caixão do Papa, mantendo-o no alto prolongadamente antes de levá-lo de volta à basílica. Foram os demorados aplausos da multidão no encerramento da missa que mais chamaram a atenção de Marco Politi, vaticanista há 30 anos e colunista do ¿La Repubblica¿. Isto e os cânticos em grego. Segundo ele, foi a primeira vez que a Igreja Ortodoxa teve uma participação como a de ontem numa cerimonia católica.

Giovanni Rafaelli, mecânico italiano que assistiu à missa junto a uma família africana e um grupo de jovens libaneses, comentou:

¿ Foi o espetáculo mais lindo que vi. Tanta gente unida e em paz, apesar de sermos milhares, comprimidos uns contra os outros num cenário tão majestoso. O mundo seria muito mais bonito se fosse sempre assim.

Rafaelli ficou na praça até o caixão do Papa ser levado à basílica, para ser enterrado em seus subterrâneos, às 14h20m (11h20m em Brasília). O Vaticano reabriu ontem ao público as portas do templo, mas para evitar multidões, o túmulo de João Paulo II só poderá ser visitado a partir de segunda-feira.

No fim da tarde, cansada e com os olhos ainda cheios d¿água, a embaixadora do Brasil para a Santa Sé, Vera Machado, comentou:

¿ O que mais me lembro é da imagem daquele caixão simples, desaparecendo na escuridão da Basílica de São Pedro. Eu tinha a sensação de estar vendo 26 anos de História, de uma História que todos nós vivemos, sendo levados embora.