Título: A nova malvada
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 10/04/2005, O Globo, p. 2
Os gastos da Previdência com auxílio-saúde cresceram muito nos últimos anos. Suspeita o governo que muita gente se faz de doente para escapar do desemprego. Isso acontece mas deve ser evitado pelo rigor da perícia médica, hoje altamente terceirizada, e não pela garfada que a Medida Provisória 242 aplica aos necessitados de verdade ¿ os doentes e os incapacitados.
As malvadezas desta MP são maiores que as da enjeitada 232, que aumentava impostos para gente muito melhor de vida. Mas como os pés-rapados do INSS não têm poder de mobilização e expressão, nada se fala contra a 242. O deputado Sergio Miranda fez a perícia das maldades da MP.
Primeira: a mudança do cálculo do valor dos benefícios do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez. O artigo 29 da Constituição prevê que sejam calculados pela média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% do período contributivo. Se você pagou 100 contribuições e ficou doente, recebia pela média das 80 maiores. A MP agora manda que se tire a média dos 36 últimos salários de contribuição, ou do total, se forem menos de 36. Se lá atrás o sujeito ganhava mais e contribuiu mais, azar o dele se ficou doente quando ganhava menos. Os segurados mais antigos perdem ainda porque desde o ano passado os salários de contribuição, antes corrigidos pelo IGP-DI, passaram a sê-lo pelo INPC, o índice desidratado. Em 2004, o IGP-DI foi de 12,14% e o INPC, de 6,13%.
Segunda: a MP determina que ainda assim esta nova média só valerá se for menor do que o último salário do segurado. Se for maior, ele é que prevalecerá. Se o infeliz teve bom salário durante anos, mas decaiu na vida profissional ou virou autônomo (que sempre contribui por baixo, porque recolhe sozinho), o que ele pagou antes não terá repercussão alguma sobre seu benefício ¿ por doença ou invalidez. Com a 242 fica assim: paga-se sobre todos os ganhos mas ganha-se apenas sobre os últimos e mais baixos. A Constituição é clara ao prever a proporcionalidade entre contribuição e benefício.
Na justificativa, a MP diz que muitos trabalhadores, ao receber um benefício maior que seu último salário, preferem continuar encostados a voltar ao trabalho. Ora, não se trata de preferência nem de escolha. Quem decide se o sujeito está apto ou não a trabalhar são os peritos do INSS. Para atacar os aproveitadores, a MP não pode fazer os inocentes pagarem pelos pecadores.
Terceira: a 242 dispõe que se o segurado filiar-se já tendo uma doença ou lesão, só terá direito ao benefício, em caso de agravamento de seu quadro, depois de cumprida a carência de 12 meses. Então o sujeito sofre da coluna mas tem condições de trabalhar e arranja um emprego. Se quatro meses depois a hérnia estourar, terá que espera mais oito meses para receber do INSS. Pois o empregador, como é de lei, só é obrigado a pagar os primeiros 15 dias.
Quarta: as grávidas desempregadas também vão para o vinagre. Antes, já tendo sido contribuintes, mas estando desempregadas, teriam direito à licença-maternidade pagando um terço da carência (4 meses). Agora, só valerá para as que tiverem contribuído por 12 meses seguidos. Isso vale também para qualquer um que, por desemprego, tenha perdido a cobertura ao passar um ano sem contribuir. Inclusive para os que tiveram o azar de ficar incapacitados no pior momento.
Quinta: durante um mês, a partir da edição da MP (28 de março), todos os requerimentos de benefícios ficarão parados, para que o INSS se ajuste às novas regras. Se elas forem mudadas pelo Congresso, que refugou a 232, a demora será maior. Todos estes pontos são objeto de emendas supressivas de Miranda e também da deputada Jandira Feghali.
Miranda afirma ainda que a MP é inconstitucional. O artigo 246 proíbe a regulamentação de dispositivos constitucionais reformados entre janeiro de 1995 e setembro de 2001 por MP. A reforma de FH. Em seu governo, tentativas de regulamentação por MP foram barradas pelo STF.
Severino não pode devolver medidas provisórias mas tem razão no mérito: esta semana a pauta da Câmara estará trancada por dez medidas provisórias.
Guardando o queijo
O governo de Rosinha Garotinho também tem seus magos tributários. Aprovou uma medida na Assembléia Legislativa criando o Fundo de Aplicações Econômicas e Sociais. As empresas que fizerem doações a este fundo poderão deduzir o total doado do valor do ICMS a recolher.
Acontece que 25% da receita do ICMS devem ser distribuídos aos municípios, uma parte é comprometida com o pagamento da dívida e outra reservada à educação e à saúde. O imposto que em vez de ser pago como tal for destinado ao fundo será uma receita blindada contra as vinculações. A governadora poderá dispor como quiser destes recursos, sem dividi-los com ninguém.
Sairão perdendo os municípios, sobretudo os grandes (por acaso em mãos adversárias, como Nova Iguaçu e Niterói), a educação, a saúde e o doutor Palocci, que deve reagir.