Título: Aliança para o crime
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 10/04/2005, O País, p. 3

Traficantes brasileiros se unem às Farc e aos cartéis colombianos no Paraguai

A associação de traficantes brasileiros com cartéis colombianos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para o tráfico internacional de cocaína colocou o Paraguai numa posição perigosa na geografia da droga: com as Farc fisicamente instaladas em território paraguaio, o país se transformou em entreposto da cocaína colombiana que abastece grandes cidades brasileiras e os mercados europeu e americano. Isso levou o governo dos EUA a aumentar a presença na área da fronteira entre Brasil e Paraguai.

O fluxo de cocaína via Paraguai se intensificou depois da entrada em vigor no Brasil do Lei do Abate, que permite que aviões clandestinos com cocaína sejam abatidos, segundo o relatório ¿The 2005 International Narcotics Control Strategy Report¿ (Relatório Internacional de Estratégias do Controle do Narcotráfico em 2005), divulgado em março pelo Departamento de Estado dos EUA. Antes, os aviões com cocaína entravam pelo espaço aéreo brasileiro e a droga era despejada em fazendas no interior de São Paulo. Agora, as cargas cruzam a Bolívia e chegam a fazendas de traficantes brasileiros no Paraguai. De lá, vêm de automóvel em pequenas quantidades para o Brasil.

Drogas negociadas em troca de armas

O traficante brasileiro Ivan Carlos Mendes Mesquita, preso em novembro no Paraguai com 260 quilos de cocaína, é o principal elo com os cartéis colombianos e as Farc desde que Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, foi transferido para uma cadeia de segurança máxima no interior de São Paulo, em fevereiro de 2004. Mesquita é réu em uma ação por tráfico internacional de drogas que tramita na Corte de Columbia, nos EUA, ao lado do narcotraficante colombiano José María Corredor Ibagué, o Bocayo. Segundo o governo americano, Mesquita mandava armas, dinheiro e aviões para as Farc em troca da cocaína enviada para os EUA e Europa ou vendida no Rio e em São Paulo.

O pedido de extradição feito pelos EUA à Justiça paraguaia diz: ¿O reclamado (Mesquita) proporciona a Corredor Ibagué aeronaves e pilotos para desenvolver seu império de transporte e tráfico de cocaína. Ele supervisionava pessoalmente as remessas de Corredor Ibagué, centenas de quilos de cocaína para numerosos clientes nos EUA e Europa. Mesquita recebia a cocaína de Bocayo a partir de pistas localizadas em Caruru (Colômbia). Os aviões voltavam às pistas com milhares de dólares em dinheiro norte-americano e euros e, com freqüência, levavam armas para as Farc¿.

Segundo o documento, Ibagué envia a droga para fazendas controladas por Mesquita no Paraguai. A cocaína sai em pequenos aviões de pistas na localidade de Caruru, administrada pela 14ª Frente das Farc, comandada por Fabián Ramírez. Depois de desembarcar a droga no Paraguai, os aviões voltam para a Colômbia carregados de dólares e armas, algumas desviadas das Forças Armadas paraguaias. As armas e parte do dinheiro ficam com as Farc, como uma espécie de pedágio pelo uso de suas pistas.

No início de 2004, a polícia americana interceptou um carregamento de 200 quilos em Porto Rico. O flagrante deu início à investigação que levou ao inédito pedido de extradição do traficante brasileiro para os EUA.

Na segunda-feira, o juiz paraguaio Rúben Riquelme aceitou o pedido. Os advogados de Mesquita devem recorrera, alegando que a Justiça brasileira também quer a extradição dele. Mesquita prefere ficar no Paraguai ou no Brasil, onde a segurança nos presídios é precária. Por isso, o governo brasileiro está postergando o envio de documentos necessários para o pedido.

Investigações da Polícia Federal em conjunto com a DEA e a Guarda Nacional paraguaia mostram que as Farc ofereceram apoio bélico e financeiro para evitar a ida de Mesquita para os EUA, por considerarem-no fundamental para a manutenção do esquema de troca de cocaína por armas.

São muitas as evidências da forte presença da guerrilha colombiana em território paraguaio. No fim do ano passado o colombiano Fausto Rodrigues, detido no Paraguai com documento falsos, confessou a autoridades de Tacumbú, onde foi preso, ser um enviado das Farc encarregado de negociar com os traficantes brasileiros.

Coronel do Paraguai desviou armamento

Também no ano passado um tenente-coronel do Exército paraguaio foi preso por desvio de armas de uso exclusivo. As armas seriam trocadas por cocaína com as Farc. Investigações apontam a possibilidade de que os guerrilheiros colombianos estejam treinando integrantes do grupo paraguaio de extrema esquerda Pátria Livre para ações de proteção ao narcotráfico e seqüestros.

O Pátria Livre é apontado como responsável por dois seqüestros de repercussão. O primeiro foi o de Maria Edith de Deberbardi, mulher de um milionário paraguaio, libertada mediante o pagamento de US$1 milhão depois de 64 dias de seqüestro em 2001. O segundo foi o de Cecília Cubas, filha do ex-presidente Raúl Cubas, encontrada morta. Segundo a imprensa paraguaia, o negociador do seqüestro era um colombiano. Além disso, foram encontrados e-mails enviados pelo suposto líder do seqüestro, Osmar Martínez, do Pátria Livre, ao ¿chanceler¿ das Farc, Rodrigo Granada, que orientava os seqüestradores sobre a necessidade de um negociador.

O embaixador dos EUA no Paraguai, John Keanes, já deu entrevistas à imprensa local afirmando que as Farc agem em território paraguaio. Os EUA vão financiar a construção de uma nova sede para a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) do Paraguai em Pedro Juan Caballero. Grupos paraguaios reclamam que a nova sede da Senad será, na verdade, uma base americana disfarçada. No Brasil, as autoridades policiais ainda não constataram presença das Farc em conjunto com traficantes brasileiros.

Embora nunca tenha sido constatada a presença das Farc no lado brasileiro, autoridades da fronteira apontam vínculos do grupo com a Frente Patriótica Manoel Rodrigues (FPMR), chilena. Um de seus chefes é Mauricio Hernandes Norambuena, que seqüestrou, em São Paulo, o publicitário Washington Olivetto em 2001.