Título: O `COMANDO AZUL¿ AGORA ESTÁ SENTADO NO BANCO DOS RÉUS
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 10/04/2005, Rio, p. 18

PMs respondem na Auditoria Militar a centenas de processos por homicídio, tráfico de drogas, roubo e seqüestro

A chacina de 30 pessoas na Baixada Fluminense disparou o alarme sobre o envolvimento de policiais com o crime. O que já foi chamado de ¿Comando Azul¿ como símbolo do poder do estado no enfrentamento ao crime organizado virou sinônimo de quadrilha. De janeiro de 2003 a setembro de 2004, foram instaurados 637 inquéritos militares contra policiais, segundo dados da Corregedoria de Polícia Militar. Dos 1.090 processos em tramitação na Auditoria Militar do Rio, 185 tratam de policiais acusados de roubo e outros 70 são contra PMs envolvidos em seqüestro.

Segundo a Ouvidoria de Polícia, o envolvimento de policiais militares em grupos de extermínio já ocupa a 9ª posição entre os delitos mais praticados, com 101 denúncias. Para tentar expurgar criminosos da corporação, a Secretaria de Segurança deflagrou a Operação Navalha na Carne, que prendeu nos últimos três meses 35 policiais envolvidos em roubos, homicídios e tráfico.

¿ O mau policial não atinge só a corporação, atinge a toda sociedade. Por isto que neste momento é muito importante a participação da população, através de denúncias. Aliás, esta participação vem crescendo. Através de denúncias encaminhadas, fizemos diligências e conseguimos prender vários policiais na Operação Navalha na Carne ¿ afirmou o coronel João Carlos Ferreira.

Sociólogo culpa política de clientelismo

Para o sociólogo Orlando Santos Júnior, diretor da ONG Fase ¿ Solidariedade e Educação, que atua na Baixada Fluminense, a política de clientelismo tão presente na região acaba propiciando a atuação de grupos de extermínio formados por policiais. Eles são contratados por políticos e comerciantes locais para acabar com assaltos e furtos.

¿ A segregação social territorial que existe na Baixada Fluminense está chegando ao limite. Não é mais possível pensar isoladamente na Baixada. Lá moram 3,5 milhões de pessoas e a inexistência de direitos e a violência estão transformando a região em um paiol de pólvora ¿ afirmou Orlando Santos Júnior.

Para Ismael Lopes, do SOS Queimados, a chacina de 30 pessoas em Nova Iguaçu e Queimados é um dos casos mais graves já vistos na história policial:

¿ Uma coisa é um louco sair na rua atirando contra a população. Ou bandidos em guerra. Mas policiais se reunirem para planejar a matança de 30 pessoas, isto não existe em lugar nenhum do mundo. As famílias dessas vítimas estão sofrendo muito e estão em pânico. Isto foi monstruoso ¿ afirmou Ismael Lopes.

Segundo ele, a chacina foi também resultado de uma política que durante muito tempo incentivou a execução de bandidos:

¿ Uma parcela da população costuma aprovar a ação de justiceiros. Isto se tornou um dado cultural. Muitas vezes, os próprios chefes desses policiais, que deveriam condenar esse comportamento, têm uma certa condescendência com o criminoso, mas isto fica incontrolável quando eles invadem ruas e saem atirando em inocentes.

Para o deputado Carlos Minc, autor da lei que criou a Ouvidoria de Polícia, a segurança pública do Rio precisa ser reformada com urgência:

¿ A PM está contaminada e o estado vem tratando câncer com aspirina. Urge uma profunda reforma da polícia. Hoje os policiais ganham mal, são tratados como pitbull e têm que apresentar resultados. Eles são treinados para matar e, como esta é a única coisa que aprendem a fazer, eles matam para agradar seus superiores e também matam quando querem protestar, porque não têm outra forma de se expressar.

O deputado apontou também a impunidade como uma das principais razões para o aumento da criminalidade policial:

¿ O regulamento interno é tão absurdo que pune policiais por motivos fúteis, como um corte de cabelo, enquanto que, para mostrar serviço, o comandante manda a tropa botar para quebrar. Os autos de resistência funcionam como doses homeopáticas de extermínio. Essa política transforma policiais em matadores de aluguel oficiais ¿ diz o deputado Carlos Minc.

A Operação Rocinha, realizada em conjunto pela Polinter, pela 15ª DP (Gávea) e pela Corregedoria de Polícia Militar levou à prisão sete policiais militares, entre eles um capitão. Informações encaminhadas ao Disque-Denúncia mostram que em várias favelas do Rio o ¿Comando Azul¿ é visto como o braço legal do tráfico. Segundo o advogado Marcelo Freixo, da ONG Justiça Global, para as camadas mais pobres da sociedade o ¿Comando Azul¿ é sinônimo de mais uma quadrilha na favela:

¿ A polícia do Rio de Janeiro vem se caracterizando, principalmente junto às áreas pobres, como referência de abusos, corrupção, violência e insegurança. O afastamento do dever legal tem como simbologia forte e inquestionável as inscrições ¿Comando Azul¿ nos muros de inúmeras favelas ¿ afirmou Freixo.

Nos últimos meses, foram vários os flagrantes de envolvimento de policiais em crimes no Rio. Em dezembro de 2004, durante a Operação Cavalo de Aço, para combater o roubo de cargas em cinco estados, 36 pessoas foram presas pela Polícia Federal, entre elas três policiais militares e dois policiais civis do Rio.

O segundo-sargento Carlos Alberto Gomes Teixeira, do 23º BPM (Leblon), que foi preso em fevereiro com outros três colegas de farda, todos acusados de envolvimento com traficantes da Favela da Rocinha, também responde na 31ª Vara Criminal do Rio por crime de roubo. Ele foi indiciado pelo Ministério Público estadual por ter participado no ano passado de um assalto a uma casa na Barra da Tijuca.

Projeto propõe afastamento de policiais acusados

Autor do projeto de lei que determina o afastamento de policiais que estão respondendo a inquéritos, o deputado Alessandro Molon também defende uma reforma profunda na polícia do Rio:

¿ Esse projeto é baseado em um mecanismo que existe em Minas Gerais, que é o afastamento cautelar de policiais acusados de práticas criminosas. No Rio, eles são postos em serviço burocrático, mas na prática nada muda, uma vez que ficam com o distintivo, o uniforme e a arma. O que eles fazem é voltar aos locais onde perpetraram crimes para intimidar testemunhas, mostrando que, mesmo depois das denúncias, continuam nas ruas, com o poder do estado ¿ explicou Molon.

O parlamentar também defende a retirada da perícia criminal do âmbito da polícia:

¿ Precisamos de uma perícia independente, sem ingerência de policiais, como acontece já em São Paulo e no Amapá ¿ disse.