Título: DUAS FAVELAS AVANÇAM SOBRE A LINHA DO TREM
Autor: Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 10/04/2005, Rio, p. 25

Acesso de composições de carga ao Porto do Rio fica prejudicado por construções a 30cm dos trilhos

BRASÍLIA. O acesso dos trens de carga ao Porto do Rio está prejudicado pela expansão das favelas Parque Arará e Jacarezinho, que ficam próximas a linha ferroviária. Construções feitas por cerca de 200 famílias no Arará sobre a linha auxiliar que leva ao porto carioca estão a até 30cm da linha principal por onde passam cerca de 120 vagões por dia. Além de prejudicar a manutenção da ferrovia, a obstrução da linha facilita os saques aos trens, que passaram a circular devagar, a apenas 10km/h, no trecho. A situação é tão grave que determinados tipos de carga já não são mais transportados pela MRS Logística, detentora da concessão do trecho da ferrovia, porque os clientes da companhia temem o risco de saques e acidentes.

Problema foi denunciado a deputados federais

O problema foi denunciado pela companhia e pelos sindicatos de trabalhadores portuários, que perdem pela redução no volume de trabalho, ao presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados, Júlio Lopes (PP-RJ). De acordo com os documentos apresentados pela MRS à comissão, nos três primeiros meses deste ano caiu para zero o transporte, por exemplo, de sacos de açúcar e produtos da Votorantin Metais, que costumam ser alvo de saques.

Em 20 de março, uma dessas ações foi flagrada pelas câmeras da MRS. As fotos, enviadas à Câmara, mostram moradores da comunidade empurrando para fora do trem enormes bobinas com fios de metal. Segundo Lopes, que recebeu as denúncias, como os trens passam em alguns trechos a menos de um metro das casas, os maquinistas, que já vão devagar, são forçados a parar. Desta forma, ocorrem os saques.

¿ Já houve acidentes e, num deles, houve um saque. Agora os produtores de açúcar não têm mais interesse de exportar a carga pelo Rio. Os problemas encarecem o seguro da carga ¿ diz o presidente do Sindicato dos Conferentes do Porto do Rio, Mayo Uruguaio Fernandes, um dos autores da denúncia.

Segundo o sindicato, o porto gerou no ano passado 4.100 empregos diretos e outros 12 mil indiretos com o transporte de 1,6 milhão de toneladas de produtos siderúrgicos, sete milhões de toneladas de cargas a granel, 79 mil veículos e 344 mil contêineres.

Na última quarta-feira, os deputados que integram a CDU aprovaram a criação de uma comissão externa para verificar a situação no local. Segundo Lopes, o objetivo é convidar vereadores e deputados estaduais para irem à área ocupada. O deputado pretende pedir o auxílio à Polícia Federal para assegurar a segurança da visita e para investigar os saques.

¿ A visita vai produzir um relatório que deve pedir a remoção das 200 famílias que estão na área do Arará. Já conversei com o Ministério das Cidades. Existe um fundo que pode ser usado para este fim. Vamos tentar fazer a retirada dessas pessoas que estão em zona de maior perigo ¿ afirmou Lopes.

Ele vai pedir que a PF investigue também os saques:

¿ A Polícia Federal tem de fazer um levantamento de quem seriam os responsáveis pela receptação de uma carga de várias toneladas de cobre. Não se faz um roubo daqueles sem estar organizado com alguém.

Para as duas mil famílias que vivem na comunidade existe, segundo o deputado, um projeto na prefeitura para que elas sejam inseridas no programa Favela Bairro. Já há um estudo para que as famílias sejam removidas para um terreno da Aeronáutica perto da Avenida Brasil. A comunidade está localizada nos bairros de Manguinhos e Benfica, numa extensão de aproximadamente 1.500 metros ao longo da linha férrea, em ambos os lados da faixa de domínio, e os moradores usam os trilhos como acesso às suas casas.

¿ As famílias que moram ao lado da linha, a 30cm, 50cm dos trens, correm um grande risco. Um trem com carga já derrubou barracos ali ¿ afirma o presidente do Sindicato dos Estivadores do Rio, Carlos Antonio da Silva.

Ocupação desordenada já dura mais de duas décadas

Segundo a denúncia feita pela MRS à comissão, há mais de duas décadas a comunicado Parque Arará ocupa progressivamente a faixa da ferrovia, instalando-se de forma desordenada junto aos trilhos. Com o agravamento da crise econômica e social aliada à expansão da criminalidade, os invasores avançaram de forma rápida e irregular nos marcos de domínio da ferrovia. O dossiê apresentado pela companhia à comissão informa que, desde 1998, a MRS mantém contatos com a prefeitura para a inclusão das comunidades no Favela Bairro.