Título: BRASIL DE EXTREMOS: SEM TRATAMENTO, ESGOTO NO RIO CAPIBARIBE É AZUL ESCURO
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 10/04/2005, Economia, p. 28

Quando crescimento e emprego não garantem desenvolvimento social

Toritama produz 15% do jeans brasileiro mas convive com a pobreza

TORITAMA (PE). Trabalho tem de sobra em Toritama, localizada a 167 quilômetros de Recife e conhecida como a capital nacional do jeans, por consumir 15% da produção nacional do tecido na confecção anual de 60 milhões de peças que abastecem feiras, mercados e lojas populares de todo o país. Ao contrário de outras localidades do semi-árido de Pernambuco, praticamente não há fome nem mendicância em Toritama, cujo Produto Interno Bruto (PIB) registrou crescimento de 42% ao longo de uma década.

É um fato animador, principalmente porque o país registrou baixo crescimento nesse período. Mas outra realidade intriga governantes e analistas sociais: apesar dessa pujança, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município deixa muito a desejar e não passa de 0,570. É o quinquagésimo do estado e fica atrás de pequenas cidades como Capoeiras (0,593), também no agreste e que vive da agricultura.

A cada mês, 300 famílias chegam à cidade

Não é difícil perceber o fosso entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social em Toritama. Nas ruas da cidade, as motos reluzentes e caminhonetes importadas carregadas de jeans dividem o tráfego com as carroças puxadas por jumentos que fazem o abastecimento doméstico na parte urbana. Segundo o Sebrae, o município tem 20 mil pessoas ocupadas em uma população de 21.800, mas que não pára de crescer.

A cada mês, cerca de 300 famílias se instalam em Toritama, que tem um dos maiores percentuais de concentração urbana do agreste do estado ¿ mais de 90%, segundo a prefeitura. O crescimento populacional ao longo de dez anos chegou a 46%, o segundo maior de Pernambuco. Com o núcleo das famílias, segundo o vereador José Lopes da Silva (PP), chegam os agregados, como primos e cunhados. Na vila da Cohab, um dos bairros mais populares, às margens da rodovia PE-90, o ex-lavrador sergipano Mauro Firmino da Silva instalou-se com a mulher e nove filhos.

Ele deixou o sítio onde morava no município de Poço Redondo (SE) e desistiu de viver da agricultura. Vendeu tudo e foi para Toritama. Hoje, comercializa sorvetes enquanto as filhas aumentam a renda prestando serviços às confecções. Mora ao lado do esgoto que corre a céu aberto. Há duas semanas, teve que internar o filho menor, Danilo, de três anos, que estava com diarréia forte, provavelmente causada pela convivência com o esgoto que passa a três metros de sua casa.

¿ Ruim com poluição ou sem ela, a gente tem que comer. E lá no sertão de Sergipe não dava ¿ justifica Mauro.

O jeans exige processamento antes da modelagem. Com isso, passa pela estonagem (nome derivado da lavagem e do amaciamento com pedras ¿ stones, em inglês) nas lavanderias da cidade. O descarte de cem milhões de litros de água por mês é feito praticamente sem tratamento. Por esse motivo, o esgoto que corta a cidade e o leito do rio Capibaribe têm em Toritama a cor do jeans: azul escuro ¿ além de um odor desagradável, misturado aos dejetos das casas.

Como se os problemas não bastassem, o déficit habitacional começa a crescer, e as moradias são erguidas de forma desordenada. Há casas até sobre uma pedreira desativada, às margens da PE-90.

A cidade registra hoje receita anual de R$453 milhões e, segundo a prefeitura, há 2.300 lojas de roupas. O dinheiro movimentado, no entanto, não dá retorno social. Segundo o Atlas do IDH, 37% da população são analfabetos e a mortalidade infantil é de 42,4 por mil nascidos vivos.

O governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), faz um mea culpa:

¿ Toritama está se transformando. O que faltou ao governo foi acompanhar o estouro de crescimento. A cidade cresceu de forma muito rápida e a infra-estrutura não acompanhou ¿ disse, acrescentando que está investindo R$8,5 milhões em abastecimento e saneamento na cidade.