Título: IGREJAS PENTECOSTAIS AMEAÇAM CATOLICISMO NA AMÉRICA LATINA
Autor:
Fonte: O Globo, 10/04/2005, O Mundo, p. 33

BUENOS AIRES. O sucessor de João Paulo II deverá encarar o difícil desafio de conter a perda de fiéis católicos latino-americanos que, nos últimos 20 anos, aderiram às chamadas igrejas pentecostais. Segundo teólogos ouvidos pelo GLOBO, existe na região uma demanda religiosa que não está sendo atendida, o que permitiu que outras religiões ocupassem um espaço que era dominado pela Igreja Católica. O crescimento das igrejas pentecostais passou a ser um dos fenômenos que mais preocupam a Igreja.

¿ O problema não é o surgimento das igrejas pentecostais e sim que a Igreja Católica não esteja atendendo à demanda religiosa que existe. Temos de rever esta questão e recuperar o terreno perdido ¿ afirmou o presbítero Rafael Braun, da paróquia de Santa Catalina, de Buenos Aires.

Doutor em filosofia e teologia, Braun aponta a dificuldade de renovar a Igreja.

¿ Um de nossos principais problemas é a escassez de sacerdotes. A Igreja deveria iniciar um processo de descentralização e acreditar que leigos podem cumprir o dever da evangelização. Imagine, um pastor protestante é formado em três meses ¿ explicou Braun.

Segundo o escritor e pesquisador americano David Stoll, autor do livro ¿Is Latin America Turning Protestant?¿ (A América Latina está virando protestante?), no fim do século XXI cerca de 30% dos latino-americanos pertencerão a igrejas pentecostais. Stoll atribui essa expansão a uma campanha liderada por igrejas dos EUA, que contaram com o apoio do governo americano, iniciado na década de 1980 com o objetivo de neutralizar a teologia da libertação.

Atualmente, as igrejas pentecostais têm forte presença em Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Guatemala e Equador. Na Guatemala, por exemplo, estima-se que 31% dos 11,2 milhões de habitantes foram absorvidos por elas. Em países como Argentina e Brasil, o percentual está em torno de 10%.

Para o padre argentino Diego Tiphaine, que estudou teologia bíblica na Universidade Gregoriana de Roma, o maior desafio da Igreja é recompor o vínculo com a juventude.

¿ Temos um diálogo difícil, a juventude não entende o Evangelho. Além das igrejas pentecostais, o crescimento do ateísmo é um fenômeno tão ou mais grave ¿ assegurou Tiphaine.

Problemas com Kirchner e Chávez

A crise social também deverá ocupar um lugar importante na agenda latino-americana do novo Papa. A Conferência Episcopal Latino-americana (Celam) alertou para ¿os dramáticos efeitos da pobreza e da miséria provocados pela existência de relações desequilibradas e unilaterais (como os tratados de livre comércio) com os centros de poder econômico.¿

Na América Latina, apontam os teólogos, o desafio será se relacionar com os governos de Hugo Chávez, na Venezuela, e Néstor Kirchner, na Argentina.

Chávez teve sérios conflitos com a Igreja de seu país, que apoiou o golpe de 2002. Já Kirchner teve um atrito com o Vaticano desencadeado pela decisão de seu governo de demitir o bispo militar Antonio Baseotto (que era funcionário do Estado e recebia mensalmente 5 mil pesos), que criticara o ministro da Saúde, Ginés González Garcia, defensor da legalização do aborto.