Título: FRAUDES EM RITMO DE TANGO
Autor: Chico Oliveira e Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 12/04/2005, O País, p. 3

PF prende quadrilha especializada em crimes financeiros chefiada pelo argentino Cesar Arrieta

Oargentino Cesar de la Cruz Mendoza Arrieta, já condenado no Brasil por um dos maiores golpes da história da Previdência, foi preso ontem em Porto Alegre na Operação Tango, da Polícia Federal, com outros 12 integrantes de sua quadrilha, acusada de fraudes contra o sistema financeiro e a administração pública, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. A PF também capturou ¿ em Brasília e outros quatro estados ¿ advogados e contadores que faziam o esquema funcionar.

Entre os presos no Rio está Siegfried Waldemar Max Franz Grisbach, de 96 anos, que apareceu nas fraudes contra a Previdência no início dos anos 90, mas que a Polícia Federal acreditava não existir. Ele era o principal laranja da quadrilha.

Os acusados procuravam empresas em má situação financeira para oferecer créditos tributários que poderiam ser usados no pagamento de débitos, principalmente com a Receita. Segundo a PF, a quadrilha tinha como clientes grandes empresas, cujos nomes ainda estão sendo mantidos sob sigilo. As operações envolveram importâncias da ordem de R$2,5 bilhões. A quadrilha operava através de uma empresa fria, a Vale Couros Trading S.A., do Rio Grande do Sul, adquirida em junho do ano passado pelo falido Banco Santos, cujo envolvimento com o grupo também está sendo investigado.

Grandes empresas são investigadas

As fraudes se desenvolviam de duas formas: o uso de créditos fictícios para compensar dívidas fiscais de grandes empresas; e a sonegação do Imposto de Renda na liquidação de CDBs, cujo valor integral, sem o desconto dos impostos, era repassado pelos bancos à quadrilha. Somente essas operações financeiras canalizadas por meio da Vale Couros Trading, envolveram, entre janeiro e junho de 2004, R$1,5 bilhão.

Alguns bancos, com o envolvimento direto de diretores e funcionários da alta administração, além de grandes empresas e funcionários da Receita também estão sendo investigados e, em um segundo momento, poderão ocorrer novas prisões.

¿ Eles tinham uma forte sensação de impunidade. Achavam que as prisões nunca iriam acontecer ¿ disse o delegado da PF Ildo Gasparetto, responsável pelo combate ao crime organizado no Rio Grande do Sul e coordenador da operação.

A Operação Tango mobilizou 300 policiais federais, dos quais cerca de 180 do Rio Grande do Sul. Os mandados de prisão e de busca e apreensão foram expedidos pela 1ª Vara Federal de Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro da Justiça Federal em Porto Alegre.

As prisões começaram a ser feitas ao mesmo tempo, a partir das 4h. A prisão de Arrieta, na capital gaúcha, ocorreu às 6h. Como ele e a esposa, a advogada Sônia Regina Soder, negaram-se a abrir a casa, em um dos bairros mais sofisticados da capital gaúcha, a Bela Vista, a porta precisou ser arrombada. Em Porto Alegre foi preso também o gaúcho Roberto Coimbra Fabrin, que aparecia como o número um da organização, mas seria um laranja de Arrieta.

Outro gaúcho, o contador da quadrilha e ex-deputado estadual Luiz Carlos Abadie, foi preso em um hotel de Brasília. Em sua casa, em Porto Alegre, foram apreendidos R$190 mil em espécie, bem como toda a documentação contábil do bando.

Os presos nos demais estados eram intermediários e laranjas. No Rio, além de Grisbach, foi preso o advogado Paulo Renato Primo. Na capital paulista foram presos o empresário Márcio Pavan, René Cabral e até o início da noite estava sendo procurada uma terceira pessoa, cuja identidade não foi revelada. Em Araçatuba (SP), foram presos Marcelo Batista e o advogado Ricardo Godoy. Em João Pessoa (PB), foi preso Fábio Magno Fernandes, em cuja residência foram apreendidos 40 mil dólares. No Distrito Federal, além de Abadie, foram presos Rosa Habib e Levi Soares. No Tocantins foram feitas apreensões de documentos e materiais.

Além de grande quantidade de documentos e computadores da quadrilha, a Operação Tango apreendeu 15 automóveis de luxo (entre eles um Mercedes, um Porsche e um BMW), um iate e um avião. As investigações começaram em 2002, quando se detectou ¿ pelas informações relativas ao recolhimento de CPMF ¿ que a Vale Couros, embora desativada, estava fazendo uma grande movimentação financeira.

A Justiça Federal autorizou a quebra do sigilo fiscal dos envolvidos, inclusive pessoas que não foram presas ontem. Segundo Gasparetto, apenas em um dos processos contra a quadrilha que tramita em segredo de Justiça em Porto Alegre, aparecem os nomes de dez grandes empresas do Rio Grande do Sul. Mas o número de empresas é muito maior, e não apenas no estado.

Fiscais forneciam informações

Segundo o corregedor-geral da Receita Federal, Moacir Leão, há ainda o envolvimento de funcionários do Fisco, que repassavam informações do cadastro de devedores e faziam com que as investigações contra a quadrilha não prosperassem para que, passados os cinco anos legais, as fraudes fossem legitimadas por falta de investigação.

¿ O montante é maior, mas ainda está sendo investigado. Acreditamos que as fraudes vinham ocorrendo desde 1997 ¿ disse Gasparetto.

Com acesso ao cadastro dos grandes investidores das instituições financeiras que colaboravam com a quadrilha, Arrieta e seu grupo procuravam esses investidores próximo ao momento da liquidação de CDBs e ofereciam um valor 5% maior daquele que seria obtido no banco, depois de pagos os impostos. E assinavam um contrato com o investidor, por meio do qual ele vendia o crédito, mediante o compromisso da Vale Couros de saldar o montante devido a título de impostos. Esse contrato era apresentado nos bancos que, ao invés de descontarem os impostos, liberavam todo o valor de face dos títulos. A quadrilha não pagava o Imposto de Renda e seu lucro era estimado pela Polícia Federal entre 8 e 10%.

COLABOROU:Soraya Aggege

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