Título: CHACINA DA BAIXADA: Morre mais uma vítima
Autor: Ana Wambier, Antonio W., Cristiane C. e Gustavo G.
Fonte: O Globo, 12/04/2005, Rio, p. 11

Com exclusão de dois irmãos executados, lista oficial de assassinados agora tem 29 nomes

Morreu na tarde de anteontem, no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, mais uma vítima da chacina da Baixada Fluminense. Kênia Modesto Dias, de 27 anos, tinha sido baleada na cabeça num bar na Rua da Gama, na Posse, onde mais nove pessoas foram assassinadas. Como, das 30 vítimas divulgadas inicialmente, duas não teriam ligação com a chacina, segundo nova informação da polícia, o número oficial de mortos agora é 29.

De acordo com as investigações, os irmãos Luciano e Lenilson de Souza Coutinho não podem ser considerados vítimas da chacina. Eles foram mortos na mesma noite do dia 31 de março, em Nova Iguaçu, na região de outros ataques. Mas a polícia descobriu que Luciano teria sido assassinado a mando de uma ex-mulher e Lenilson morreu por estar ao seu lado. Segundo o delegado da 58ª DP (Posse), Roberto Cardoso, até o carro visto na cena do crime era diferente dos demais veículos usados na matança.

Kênia foi enterrada ontem à tarde no Cemitério Municipal de Nova Iguaçu. O velório reuniu cerca de cem pessoas. Segundo o pai da vítima, Sebastião Dias, Kênia dividia seu tempo entre ir à escola (estava cursando o ensino médio numa escola pública), ao trabalho e cuidar da filha de 8 anos.

¿ Ela era uma menina comunicativa e alegre ¿ disse uma das tias, que não quis se identificar. ¿ Muito batalhadora. É um absurdo o que fizeram. São piores do que bichos.

Reconhecidos sete policiais já presos

Sete dos oito policiais que tiveram a prisão temporária decretada na semana passada com base em investigações da Polícia Federal foram reconhecidos ontem no Fórum do Rio por mais uma testemunha da chacina. Em depoimento na 4ª Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu, ela declarou que, na noite do crime, percebeu a movimentação dos PMs na área e ouviu disparos, mas afirmou que não viu ninguém ser morto. Um sétimo PM seria, segundo a testemunha, ligado ao grupo de acusados do massacre, mas não teria participação nas mortes.

A testemunha permaneceu encapuzada durante as mais de quatro horas em que esteve no tribunal, com a proteção de pelo menos 15 policiais federais. À noite, uma testemunha reconheceu um outro policial na sede da PF. O promotor Marcelo Muniz Neves, do 1º Tribunal do Júri de Nova Iguaçu, disse que o Ministério Público optou por antecipar o depoimento da testemunha para tentar evitar que ela seja coagida e volte atrás quando houver o julgamento.

Até o momento, como O GLOBO noticiou no domingo, as investigações demonstram que, entre os acusados da chacina, quatro foram responsáveis pelos disparos. Mas há a suspeita de que outros dois policiais também tenham atirado. Além dos oito que tiveram a prisão temporária decretada, há quatro PMs detidos administrativamente. E a Polícia Civil pediu à Justiça a prisão de mais dois PMs.

Segundo o deputado Geraldo Moreira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, o PM Jorge Carlos Carvalho, um dos presos, lhe disse que vai responsabilizar pela chacina integrantes de escalões superiores da corporação quando depuser na Justiça. De acordo com Geraldo, o PM disse que ¿a terra vai tremer¿.

Segundo o chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, há duas linhas principais de investigação. Uma aponta como motivo para o crime a insatisfação de um grupo de policiais com as medidas rigorosas tomadas pelos batalhões da PM em Queimados e Caxias. Outra aponta para uma disputa entre grupos de extermínio da região. O grupo responsável pela chacina estaria querendo demonstrar força.

Policiais acreditam que a morte do pedreiro José Martins, na quarta-feira passada, também pode estar ligada à chacina. Segundo denúncias, o sargento reformado Oliveiros Pereira Magno, que confessou o crime, faria parte de um grupo de extermínio com o soldado Carlos Jorge Carvalho. Os dois teriam sido vistos juntos num Gol vermelho, o mesmo usado pelos assassinos do pedreiro.