Título: Melhora evidente
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 12/04/2005, Panorama Econômico, p. 18

Em 99, o Brasil precisaria de quatro anos de exportação para pagar sua dívida externa; hoje, bastam 15 meses. Para pagar os juros, o país precisaria de mais de um ano de tudo o que ganha na exportação e agora precisa de menos de seis meses de exportação. São esses alguns dos vários dados de solvência externa que melhoraram fortemente nos últimos anos, como o risco-país que, só nos últimos dois anos, caiu 50%. Se pagar antecipadamente a dívida com o FMI, o Brasil pode economizar US$1,8 bilhão. Foram os dados de melhora da economia brasileira que levaram o secretário do tesouro, joaquim levy, a dizer que a classificação de risco do brasil feita pelas agências está defasada e que, por isso, acredita numa mudança favorável para o país. realmente, a dimensão da melhora das contas brasileiras é muito maior do que os pequenos movimentos feitos pelas agências na nota do brasil. mas, pelas declarações que as agências têm feito, o país vai continuar sendo considerado um "investimento especulativo" ainda por um bom tempo. Uma classificação melhor significa alguns pontos a menos nas taxas de juros cobradas das empresas e do setor público pelos bancos que emprestam para o país no exterior. Agências de risco gostam de divulgar para seus clientes amplas análises de conjuntura econômica, política e social, mas, na hora de classificar cada país, fazem uma análise bem mais contábil. O importante são certos parâmetros pelos quais eles medem a solvência, como a relação dívida/PIB ou a relação dívida externa/exportação. Seja na avaliação subjetiva, seja na objetiva, o Brasil melhorou consideravelmente e isso ainda não se refletiu, de fato, na classificação de nenhuma das agências. Algumas dessas melhoras: a relação divida externa/exportação era de 3,9 vezes em 99 e caiu para 1,3; até o fim do ano, estará em 1,2. Ou seja, a dívida era quatro vezes a exportação e agora é de 1,3 vezes. O serviço da dívida como proporção das exportações caiu, no mesmo período, de 1,3 vezes para 0,43. A dívida externa pública líquida era de US$73 bilhões e hoje é de US$52 bilhões. As reservas estavam em US$21,4 bilhões em janeiro do ano passado e pularam para US$37 bilhões no último dado, mas podem ser US$62 bilhões se for contabilizado o dinheiro emprestado pelo FMI. O fim do acordo com o Fundo Monetário Internacional é outro indicador eloqüente de que a capacidade de o Brasil pagar suas dívidas é muito maior hoje do que em anos recentes. O melhor destino para o dinheiro emprestado pelo FMI, agora que o acordo acabou, é pré-pagar as prestações que vão vencer nos próximos anos. O total de empréstimo concedido pelo Fundo ao Brasil, ainda não pago, é de US$23,2 bilhões. O principal terá que ser pago em três anos, da seguinte forma: US$5,8 bilhões este ano, US$8,6 bilhões no ano que vem e outros US$8,9 bilhões em 2007. Nestes três anos, o país pagará de juros US$853 milhões este ano, US$645 milhões no ano que vem e US$209 milhões em 2007. Tem mais duas pequenas parcelas de juros nos anos seguintes (US$14 milhões em 2008 e US$13 milhões em 2009). Se quitasse antes, o país poderia economizar, com o pagamento de juros, até US$1,8 bilhão. Há dúvidas fiscais de curto prazo que têm sido apontadas pelos analistas, mas a dívida pública - interna e externa - como proporção do PIB caiu bastante no último ano. Portanto todos os indicadores contábeis para os quais as agências costumam olhar para fazer sua classificação de risco estão sensivelmente melhores nos dias de hoje do que há dois ou quatro anos. Mesmo assim, a avaliação do Brasil é pior do que a média dos países emergentes - excetuando-se a Argentina que, quando entra na conta, até distorce a média porque tem uma péssima avaliação - e está espantosamente parada quase no mesmo patamar apesar das mudanças importantes feitas pelo Brasil. Pela Moody's, de 98 para cá, a classificação oscilou um degrau: de B2 para B1. Pela Standard & Poor's também: de B+ para BB-. Na parte apenas subjetiva, o analista de qualquer agência concorda que o Brasil superou parcela importante do risco político na eleição de 2002. A política econômica implementada pelo governo Lula - e agora confirmada na reunião deste fim de semana do campo majoritário, a ala mais importante do Partido dos Trabalhadores - afastou alguns dos temores de alternância política no Brasil. O que os representantes dessas agências costumam dizer é que o Brasil vai demorar muito a se transformar num investment grade ou recomendado como bom investimento, como são o Chile e o México, pelo tamanho da sua dívida pública. De fato, ela permanece num patamar elevado e, principalmente, é muito cara. Hoje está em 51% do PIB (já esteve em 60%) e o Brasil só terá chances de ser cotado como "bom investimento" quando a dívida estiver em 40% do PIB, pelo menos. Mesmo assim, não há explicação para o país permanecer com uma avaliação tão ruim, a três níveis abaixo do sonhado Investment Grade, na classificação da S&P, seis degraus atrás do Chile e a quatro do México. Nesta lista, o Brasil está atrás até da Colômbia e do Peru.