Título: RAPPER MV BILL PEDE O FIM DO MEDO NAS FAVELAS
Autor: Rachel Bertol
Fonte: O Globo, 13/04/2005, Rio, p. 15

Cantor diz em debate no GLOBO que policiais e moradores vivem situação absurda nas comunidades carentes

O rapper MV Bill condenou o medo que impera nas relações entre policiais e moradores de favelas, no debate Violência e Juventude, realizado anteontem à noite na série Encontros O GLOBO, no auditório do jornal. Também participaram o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, e o professor da UFRJ Micael Herschmann. Segundo MV Bill, que está lançando o livro ¿Cabeça de porco¿ (editora Objetiva), em co-autoria com Celso Athayde, seu produtor, e Luiz Eduardo Soares, os policiais não apenas provocam medo, mas sentem eles próprios medo ao lidar com a população.

¿ É absurdo que, nos conflitos que envolvem a população e a polícia, os dois fiquem com medo. A população aparece cobrindo o rosto para a polícia, e o policial, mesmo quando está apenas investigado, aparece também com o rosto coberto, como se fosse marginal, assumindo o papel de bandido ¿ afirmou MV Bill, morador da Cidade de Deus, ao comentar a revolta das comunidades com a violência policial.

Jovens ouvidos em documentário foram mortos

MV Bill disse, porém, que ele também não está livre do medo dos policiais:

¿ Acho que o medo da polícia é o que me mantém vivo até hoje. Eu tenho medo de morrer se subestimar o perigo ¿ afirmou.

Em ¿Cabeça de porco¿, MV Bill e Celso Athayde divulgam dados de uma pesquisa que começaram a realizar em 1998, para conhecer a situação de jovens envolvidos com a violência em todo o país. Além do livro, a pesquisa resultou no clipe ¿Soldado de morro¿ e no documentário ¿Falcão ¿ Meninos do tráfico¿, que, segundo ele, ainda não está pronto. Dos 16 jovens ouvidos no documentário, 15 tinham morrido até 2003 e o 16º morreu no ano passado.

¿ Era um documentário em que a gente tinha pensado em falar sobre a vida, mas por conta da naturalidade da morte desse jovens acabou se tornando num documentário sobre a morte ¿ disse MV Bill.

Apesar da iniqüidade e das injustiças da realidade brasileira, Luiz Eduardo Soares, que expõe no livro vivências e opiniões sobre o combate à violência, destacou que é possível encontrar saídas diante da ¿pedreira que parece intransponível¿.

¿ Queríamos que no livro não houvesse só denúncia, mas possibilidade de mudanças, no plural, que começam individualmente e se desdobram na prática cotidiana, como no hip hop e em outras manifestações culturais. Há muito o que fazer, com humildade e objetividade ¿ disse Soares.

Masculinidade e violência associados

O ex-secretário Nacional de Segurança destacou que a violência, atualmente, se relaciona à expressão da masculinidade dos jovens.

¿ Os jovens envolvidos com violência diziam que, no fundo, o que queriam mesmo era conquistar todas as mulheres do mundo. Ao ouvirmos as meninas, elas, da mesma forma, associavam o modelo ideal de homem à violência. Mas vimos que também nas comunidades há modelos alternativos que difundem a linguagem da paz e da emoção. Cabe à sociedade apoiá-los ¿ disse Soares, que destacou a importância do afeto para tirar os jovens pobres e negros da inviabilidade social que propicia o crime.

MV Bill, que também atua na ONG Central Única de Favelas (Cufa), da qual é fundador, disse que seu objetivo é levar música e cultura aos jovens, para ampliar seu leque de escolhas.

¿ Para que tenham alternativas além do funk, do hip hop, do futebol e do tráfico. Hoje, o tráfico, infelizmente, tragicamente, acaba sendo a melhor opção para muitos deles ¿ afirmou o rapper.