Título: JAPÃO ATACA RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA ARGENTINA
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 11/04/2005, Economia, p. 17

Na reunião anual do BID, ministro japonês diz que governo Kirchner agiu de má-fé. Lavagna reage com ironia

OKINAWA (Japão). O governo japonês deixou ontem de lado o habitual comedimento em seu discurso sobre finanças internacionais para atacar a operação de reestruturação da dívida argentina de US$81,8 bilhões. A atitude do Japão provocou a reação do ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna, que criticou com ironia o governo e os bancos japoneses, num dos momentos mais polêmicos da reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Lavagna também afirmou que não aceitará a discriminação da Argentina.

De manhã, após discursar na abertura do encontro de governadores dos 47 países-membros do BID, o ministro das Finanças do Japão, Sadakazu Tanigaki, acusou o governo Néstor Kirchner de agir com má-fé ao não conversar mais com investidores internacionais sobre a reestruturação de sua dívida. Ele se referia ao fato de que 24% dos credores, muitos japoneses, não aceitaram os termos de renegociação da dívida da Argentina, que impõe uma redução de mais de 60% nos valores a serem pagos.

Os japoneses têm a receber US$3,060 bilhões da Argentina, e cerca de 5% deste total são de investidores que não aceitaram a proposta do país.

¿ Lamentamos que a decisão da Argentina tenha sido tomada sem um diálogo maior. O país agiu com má-fé. Só espero que isso não crie um precedente para futuras operações de reestruturação porque isso leva ao surgimento de um perigo moral ¿ disse Tanigaki.

À tarde, numa conversa com investidores e representantes de governos da região, Lavagna criticou Tanigaki:

¿ Quem agiu com má-fé foram os bancos do Japão, que não cumpriram uma recomendação incluída nos regulamentos da emissão dos títulos. Eles não podiam revender os papéis a investidores não institucionais, mas lamentavelmente o fizeram, o que também ocorreu na Itália.

Lavagna afirma que não vai aceitar discriminação do país

O representante da corretora Nomura, uma das maiores do Japão, Naoyuki Takashina, afirmou que não havia qualquer recomendação do governo argentino nesse sentido e que o que estava sendo discutido ali era o calote do país. Lavagna foi irônico.

¿ A má-fé não veio de dentro da Argentina, mas de fora. Sugiro que você peça a funcionários do Ministério das Finanças do Japão que consultem a Comissão de Valores Mobiliários e perguntem a eles porque não impediram os bancos japoneses de fazer isso. Além disso, nunca houve uma reestruturação que pagasse 100% da dívida. Sempre é dado um desconto. Temos o apoio de 76% dos credores. E 76 são mais do que 24 ¿ afirmou Lavagna.

¿ Não se pode manter uma conversa serena aqui ¿ desabafou Takashina, visivelmente irritado.

Antes de sua conversa com investidores, Lavagna se reuniu com Anoop Singh, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI). A Argentina está tentando negociar um acordo com o Fundo.

¿ Se tivéssemos obtido o apoio em dinheiro de organismos multilaterais, como FMI, Banco Mundial (Bird) ou BID, poderíamos oferecer mais aos credores ¿ disse Lavagna. ¿ Mas não só a Argentina não usou dinheiro público para pagar credores privados, como pagamos ao Fundo e ao Bird US$11,5 bilhões desde 2002. Agora, não aceitaremos a discriminação de um país que está saindo de uma crise gravíssima e que, mesmo assim, transferiu dinheiro para FMI e Bird.

Por três vezes, Lavagna falou que a Argentina não aceitará tratamento discriminatório do Fundo, dando a entender que o país quer um empréstimo sem nova oferta aos credores que não aceitaram a redução da dívida. Mas o porta-voz do FMI, Thomas Dawson, já avisou que um acordo só será possível caso o país ache uma solução para estes investidores ¿ o que está impedido por uma lei aprovada pelo Congresso argentino.

Com relação aos apelos por reforma, Lavagna ironizou:

¿ Economistas falando de reformas como solução para a crise soam como aqueles médicos que, quando não sabem o que o paciente tem, dizem que é uma virose.