Título: AIDS: ONU APELA A FUTURO PAPA POR CAMISINHA
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 14/04/2005, O Mundo, p. 33

Condenação ao uso do preservativo no combate à doença foi uma das posições mais criticadas de João Paulo II

A Organização das Nações Unidas (ONU) fez ontem um contundente apelo para que o próximo Papa reveja a posição da Igreja no que diz respeito ao uso do preservativo masculino na prevenção da Aids. Numa das atitudes mais criticadas de seu pontificado, João Paulo II jamais admitiu o uso da camisinha (a Igreja é contrária aos métodos contraceptivos em geral) mesmo diante da disseminação da pandemia, que já atinge 40 milhões de pessoas. Pregava a fidelidade e a abstinência como as únicas formas de evitar a doença.

¿ Esperamos que todos os grupos se concentrem no que realmente é importante na luta contra o HIV e tomem a decisão moral correta sobre como fazê-lo ¿ disse Thoraya Obaid, diretora do Fundo das Nações Unidas para Populações. ¿ Vemos uma certa pressão das igrejas na Espanha e no Brasil para falar sobre a necessidade de a Igreja reconhecer a prevenção do HIV. Esperamos que o novo Papa leve essa mensagem mais adiante, porque não faz sentido mandar as pessoas para a morte.

Especialistas destacam provas científicas

O diretor de programas globais do Programa de Aids das Nações Unidas, Luiz Loures, lembrou da contribuição importante da Igreja nos programas de apoio a pacientes e no combate à discriminação dos soropositivos, mas também defende uma revisão na questão do preservativo.

¿ A Aids chegou há 20 anos e, obviamente, a sociedade tem que se ajustar à epidemia. Dentro desse ajustamento é perfeitamente esperado que as posições de diversos setores sejam revistas. Acho que o mundo evolui dessa forma ¿ sustentou.

Loures ressaltou que todas as provas científicas apontam o preservativo como a única forma eficaz de prevenção da doença. Em sua campanha contra a camisinha, a Igreja chegou a questionar a eficácia do método.

¿ Trabalhamos com provas científicas por um lado e, por outro, com uma situação de absoluta emergência. A conclusão possível é apenas uma: o preservativo é um instrumento fundamental e inquestionável da prevenção ¿ afirmou. ¿ Não discutimos do ponto de vista moral, mas sim do ponto de vista de preservação da vida. Pessoalmente, acredito que a única ética apropriada neste caso é a da preservação da vida.

O infectologista Mauro Schechter, chefe do Laboratório de Pesquisa de Aids do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, tem uma posição semelhante:

¿ Até o dia em que houver uma vacina, a camisinha é, sem dúvida, a melhor forma de prevenção em larga escala ¿ disse. ¿ A abstinência não é factível nem razoável. Como profissional da área, gostaria muito que não só o Papa mas todos os políticos revissem suas posições sobre o assunto, e isso inclui o governo americano.

Apelo se estende ao homossexualismo

Mas a crítica mais dura veio de uma ONG católica, a Católicas pelo Direito de Decidir.

¿ A Aids foi o grande pecado desse papado ¿ sustentou a especialista em ciências da religião Yury Puello Orozco, coordenadora do grupo. ¿ Frente a uma pandemia que está se alastrando, que é motivo de muitas mortes, sofrimento e tristeza, condenar (o uso da camisinha) por causa de uma doutrina é não levar em conta a vida das pessoas. Com isso, uma Igreja que clama ser defensora da vida é pega nessa ambigüidade frente a um fato concreto. O novo Papa terá uma grande dívida frente aos portadores do HIV.

Yury vai além e lembra que o novo Papa herdará também uma dívida para com as mulheres, no que diz respeito aos direitos reprodutivos e também à ordenação, e com os homossexuais. A opinião é compartilhada por Octavio Valente Jr., presidente da ONG Pela Vidda, a primeira formada por soropositivos no país:

¿ Ter um Papa mais aberto não só à questão da Aids, mas também à da homossexualidade seria muito bem-vindo.