Título: EXPECTATIVAS
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Fonte: O Globo, 16/04/2005, Opinião, p. 6

Na vida e na morte, João Paulo II deu provas eloqüentes de que o conservadorismo é capaz de levar um líder espiritual aos píncaros da popularidade e da glória mundana.

Está claro que o Papa recém-falecido não conquistou respeito e estima universais com seu dogmatismo, mas, muito provavelmente, a despeito dele. Acima de tudo João Paulo tinha carisma, qualidade pessoal indefinível que lhe permitia estabelecer vínculos imediatos de afinidade, compreensão e simpatia com platéias do mundo inteiro.

Mas o exemplo dos altos dividendos obtidos por suas posições inarredáveis em matéria de fé pode ser uma tentação irresistível para o Pontífice que começa a ser escolhido depois de amanhã.

Obviamente o perfil do próximo ocupante do trono de São Pedro interessa mais de perto aos católicos. Para eles é importante saber se seu líder será liberal ou conservador, por exemplo, em matéria de controle da natalidade. O conforto psicológico e espiritual de considerável parcela da Humanidade dependerá do que ele disser. Mas, para quem não professa a fé católica, é claro, tanto faz que a missa seja oficiada por um padre ou por uma freira; ou que os sacerdotes abençoem as uniões homossexuais.

Já outros temas deixam todo o mundo curioso, quando não apreensivo, diante do advento de uma nova autoridade para os mais de um bilhão de católicos do mundo, que representam uma formidável corrente de opinião e de formação de políticas públicas e padrões de comportamento.

Endossará o próximo Pontífice as posições ¿ não apenas conservadoras, mas retrógradas ¿ de João Paulo II sobre o uso de preservativos num mundo ameaçado por doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids? Confirmará o novo ungido dos cardeais a proibição do antecessor às pesquisas com células-tronco embrionárias, essenciais para o desenvolvimento da ciência e esperança de cura para o mal de Alzheimer, o diabetes, e outras moléstias degenerativas?

A eleição de um Papa, com seus rituais ultra-reservados, é um momento íntimo, de reflexão da Igreja. Mas o resultado do conclave sempre teve e terá vastas implicações extra-religiosas.