Título: RODÍZIO DE PIZZA
Autor: Carla Rocha, Maiá Menezes e Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 16/04/2005, Rio, p. 14

Voto secreto que inocentou Calazans pode beneficiar agora outro deputado

Apizza servida pela Assembléia Legislativa do Rio ¿ que na quinta-feira inocentou o deputado Alessandro Calazans (sem partido) da acusação de quebra de decoro ¿ pode se tornar um verdadeiro banquete para outro deputado ameaçado de cassação. Ao decidir pelo voto secreto, a Alerj agiu contra si própria porque ainda briga na Justiça para manter a cassação do deputado Marcos Abrahão (PRTB), que é suspeito de um assassinato e voltou a legislar após ganhar liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele foi cassado numa sessão com o voto aberto, mas recorreu contra a decisão, alegando que a votação deveria ser secreta. Como o mérito do caso ainda não foi julgado, advogados do parlamentar vão juntar ao processo cópias do ato normativo em que a presidência da Casa alterou a forma de votação no Regimento Interno, que desde anteontem passou a ser secreta. O mesmo será feito no Supremo Tribunal Federal (STF), onde a Alerj também defende o voto aberto.

O deputado Marcos Abrahão, um dos que mais fizeram lobby pela absolvição de Calazans, disse que a alteração do regimento é um reconhecimento da Alerj de que foi um erro ir contra a Constituição Federal, que diz que o voto, em caso de quebra de decoro, deve ser secreto.

¿ Também vou enviar cópia do ato normativo para o Tribunal de Justiça do Rio. O voto tem que ser secreto para não ter pressão política e o deputado votar com a consciência dele. Com votação fechada, não teria sido cassado ¿ disse Abrahão, que entende que o próprio Calazans, a quem apóia, tenha votado contra ele.

Abrahão foi cassado por suposto envolvimento no assassinato do deputado Antônio Valdeci de Paiva, de quem era suplente, em janeiro de 2003. O processo corre na 4ª Vara Criminal.

Picciani: cabe à Justiça decidir

Para Hermano Cabernite, especialista em direito administrativo, não há dúvidas de que a mudança no regimento beneficiará Abrahão:

--- Se a Alerj entrou com um recurso contra o deputado, dizendo que o voto deve ser aberto, e agora estabelece que a votação deve ser secreta, existe claramente uma contradição, que será explorada pelos advogados do deputado. Essa modificação vai beneficiá-lo de fato.

Através de sua assessoria, o presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), afirmou que caberá à Justiça responder se a iniciativa de mudar o regimento poderá invalidar o recurso da Casa. Mas os próprios parlamentares acham que a incoerência de defender a votação aberta, e, ao mesmo tempo, alterar o regimento, deverá pesar no encontro que Picciani terá com o presidente do STF, ministro Nélson Jobim, para discutir o assunto. A intenção de Picciani é acelerar a decisão sobre duas ações diretas de inconstitucionalidade sobre como deve ser o voto, se secreto ou aberto. O encontro será na próxima terça-feira.

¿ Isso mostra que tínhamos razão. Permitiu que o corporativismo falasse mais alto no caso Calazans e ainda pode fazer o Abraão voltar ¿ avaliou o deputado Alessandro Molon (PT), que ontem, com outros representantes da bancada do partido, entregou ao Ministério Público estadual cópia do relatório da CCJ que apontou a quebra de decoro de Calazans.

O PT recorrerá na segunda-feira contra a absolvição de Calazans no Tribunal de Justiça do Rio. As conseqüências jurídicas do voto aberto, um princípio que a Alerj tentava defender, serão mais um fator de desgaste político para Picciani. Ontem, ele admitiu que a situação é desconfortável:

¿ Eu agi com equilíbrio. Não sou dono do voto de ninguém. Mas não foi uma decisão confortável para a Alerj nem para mim. A Assembléia pode até ser eventualmente corporativista. Mas tem dado exemplo de apreço à população e ao dinheiro público.

¿ A absolvição do deputado foi um retrocesso inaceitável, uma afronta à inteligência da população e um ataque à ética ¿ avalia Beatriz Kuhn, integrante do movimento Basta!

Apesar de poupado pela Alerj, Calazans ainda não se livrou do fantasma da cassação. Um inquérito em curso no Ministério Público estadual poderá resultar em uma ação por improbidade administrativa contra Calazans. A investigação que virou pizza na Assembléia Legislativa será agora aproveitada no inquérito.

O promotor Cláudio Henrique da Cruz Viana, responsável pelo inquérito, informou que o material entregue pelos deputados será anexado à investigação, que poderá ser transformada em uma ação por improbidade administrativa. Os deputados também entregaram ao promotor cópias da transcrição da fita em que Calazans apareceria negociando a retirada do nome do empresário Carlinhos Cachoeira do relatório final da CPI da Loterj. Se for condenado, Calazans poderá perder o mandato e os direitos políticos.

¿ Vou analisar os dados, mas muito trabalho será poupado com essas novas peças. Este é um assunto prioritário para o MP ¿ diz o promotor.

Ele frisou que a decisão da Alerj não tem qualquer influência sobre a decisão do Ministério Público:

¿ O julgamento da Alerj foi político, o nosso é jurídico.

www.oglobo.com.br/rio