Título: `MEU SANTO NÃO CRUZA COM O DA MINHA MÃE¿
Autor: Marcos Almeida e Taís Mendes
Fonte: O Globo, 16/04/2005, Rio, p. 15

Garota diz que viveu bons momentos

Mais magra alguns quilos e vestindo a mesma roupa do dia do resgate no Turano, X. contou ontem como foram os 13 dias de convivência no morro, uma rotina diferente da que está acostumada, mas descrita com fascínio por uma adolescente que acredita ter descoberto a liberdade. Ela viveu momentos de tensão em meio a tiroteios, estranhou a comida, mas só pensa em completar 18 anos para voltar ao morro.

¿ Não estou arrependida e não tenho medo. Lá estava mais protegida do que em qualquer outro lugar. As pessoas são mais humildes, não são falsas. Fui muito bem tratada, eles são meus amigos e tenho certeza que se voltar lá serei bem recebida ¿ acredita.

A jovem contou que passava as noites na casa de duas amigas, num dos acessos ao Turano:

¿ Eu acordava, tomava café, via TV, fazia compras. Foram bons momentos.

O cardápio simples e repetitivo foi a única queixa:

¿ Comer a mesma coisa todos os dias enjoa. Por isso, muitas vezes troquei o almoço por biscoitos de polvilho.

Durante a conversa na sala de espera do Conselho Tutelar, ela demonstrou a preocupação de preservar os amigos do Turano:

¿ Não tenho nada contra eles. Não fui responsável pela presença da polícia na favela. Espero ser bem recebida quando voltar lá.

A jovem voltou a dizer que só aguarda completar 18 anos para sair de casa:

¿ Meu santo não cruza com o da minha mãe. Apanhava porque usava bermuda e ela queria que eu usasse vestido. Apanhava porque não queria cortar cabelo. Só não fujo agora porque meu pai pode ser preso, mas quando fizer 18 anos vou embora.

Perguntada se já tentara ver a situação pelo lado dos pais, foi direta:

¿ Ia deixar minha filha quebrar a cara.