Título: UMA PIZZA A 37 MÃOS
Autor: Carla Rocha, Maiá Menezes e Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 15/04/2005, Rio, p. 12

Deputado Alessandro Calazans se livra de cassação na Alerj mas MP ainda investiga o caso

Aemenda saiu pior do que o soneto. Depois de cinco meses de investigação e de quase três horas de votações ontem, a Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) tirou do forno uma pizza feita a 37 mãos ¿ que foi o número de parlamentares que votaram contra a cassação de Alessandro Calazans (sem partido), acusado de quebra de decoro. A prova era a fita de uma conversa em que o parlamentar negociaria a retirada do nome do empresário do ramo lotérico Carlinhos Cachoeira do relatório da CPI da Loterj, que presidiu. Depois de uma semana de articulações políticas, que incluiu até uma manobra para amenizar a punição, a maioria do plenário rejeitou até mesmo a emenda que previa uma suspensão por seis meses. Calazans saiu ileso das denúncias.

Apenas 25 parlamentares votaram a favor da cassação, um voto foi nulo e outro, em branco. Apesar do placar, o Ministério Público estadual ainda investiga o caso. O escândalo veio à tona quando foi divulgada uma fita de vídeo em que Waldomiro Diniz, ex-assessor do Planalto e ex-presidente da Loterj, pedia a Cachoeira dinheiro para doações de campanha. Depois de aberta a CPI no Rio, Cachoeira gravou fitas para provar que o deputado federal André Luiz, ainda ameaçado de cassação, havia lhe pedido propina de R$4 milhões. Em seguida, acusou Calazans.

Quando foi anunciado o resultado da votação, Calazans comemorou:

¿ Foi feita justiça ¿ vibrou o deputado que, em seu discurso de defesa, de 30 minutos, havia citado o Salmo 26. ¿ Faz-me justiça, ó Eterno, pois sem mácula caminhei pela vida afora.

Deputado: imagem foi arranhada

A sessão começou às 16h30m com a votação da emenda. A proposta de substituir a punição foi rejeitada por 39 votos a 23. O placar, muito semelhante ao que seria verificado logo depois na votação da perda de mandato em si, revelou que a emenda perdeu não porque havia interesse na cassação, mas porque a maioria estava decidida a inocentar totalmente o deputado.

¿ Este processo foi desgastante, a cicatriz já existe, o resto é maquiagem ¿ disse o deputado Paulo Melo (PMDB), presidente da Comissão de Constituição e Justiça.

Nos últimos dias, o presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), levantou a questão do voto secreto, que muitos consideram ter favorecido Calazans. Mas, na última terça-feira, quando aconteceria a primeira sessão que poderia cassar Calazans, Picciani tentou apagar o incêndio que chamuscaria a imagem da Casa. Apostando na absolvição, Calazans levou uma claque de 300 pessoas e até um trio elétrico. Surgiu, então, na última hora a proposta de emenda que garantisse alguma punição.

Pivô das denúncias, Cachoeira foi lacônico ao comentar o resultado:

¿ Cumpri meu dever de cidadão.

O PT vai recorrer contra o voto secreto, que não consta na Constituição estadual. A historiadora Marly Motta, da Fundação Getúlio Vargas, disse que o corporativismo é tradição da Alerj:

¿ Lá prevalece o Palerj, Partido da Assembléia Legislativa. Qualquer coisa que ameace a Assembléia provoca um movimento contrário ¿ afirmou.

Durante a contagem dos votos, Calazans rezou. A claque, desta vez, foi discreta e só ao final desfraldou faixas nas galerias. Houve gritos com bordões evangélicos. O irmão de Calazans, Wander, vereador de Nilópolis, chorou. Entre muitos tapinhas nas costas, Calazans foi abraçado por Marcos Abrahão (PRTB), que foi cassado em 2003 por suspeita de envolvimento num assassinato, mas voltou à Alerj por decisão da Justiça.