Título: UM PAÍS MINÚSCULO E CHEIO DE PECULIARIDADES
Autor: Deborah Berlinck e Monica Yanakiew
Fonte: O Globo, 15/04/2005, O Mundo, p. 39

Vaticano combina facilidades tecnológicas do mundo moderno com monarquia absolutista repleta de restrições

CIDADE DO VATICANO. O homem que 115 cardeais elegerão no conclave que terá início segunda-feira será mais do que o líder espiritual de um bilhão de católicos espalhados por cinco continentes. Será também o único monarca absolutista da Europa. Como seu nome, segundo a tradição católica, é inspirado pelo Espírito Santo, ninguém questiona o fato de o Papa concentrar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do menor país do mundo, o Vaticano.

Situado no coração de Roma, o Vaticano é, em muitos aspectos, igual a qualquer outro país. Tem receita, bandeira, moeda e selos próprios. E até um banco, o IOR (Instituto de Obras Religiosas), que emite um cartão de crédito ¿ talvez o de maior credibilidade no exterior.

Funcionário do Vaticano desde 1978, o cearense João de Deus foi ao Brasil ano passado. Descobriu que, apesar de ninguém ser fluente em latim, seu cartão de crédito Tertium Milennium (Terceiro Milênio) era imediatamente aceito, pelo fato de ter sido emitido pelo Estado da Cidade do Vaticano.

¿ Não sei se as pessoas associam Vaticano à riqueza ou à espiritualidade. O fato é que todos que viram meu cartão arregalaram os olhos e ninguém me pediu documento de identidade ou telefone ¿ conta ele.

Diplomatas ¿ os únicos, além de membros do clero e funcionários com direito a conta no IOR ¿ comentam os mistérios do banco do Vaticano, cuja entrada sequer tem letreiro e cujos cheques têm o nome de outro banco. Mas as taxas são ótimas e o câmbio também.

Acesso a lojas é limitado a habitantes e funcionários

Não é, portanto, apenas de espiritualidade que vivem os 921 habitantes do Vaticano. Em seus jardins e palácios, esbarramos em padres, bispos e cardeais. Nenhuma criança. Mas várias mulheres ¿ de saia e calça comprida ¿ com sacos plásticos de supermercado. Sinal dos novos tempos ¿ já que até poucos anos atrás só freiras circulavam e trabalhavam aqui ¿ e das boas oportunidades.

Sim, porque na terra do Papa os bens materiais ¿ carne, perfume francês, suéter inglês, gasolina e até cigarro ¿ estão isentos de impostos. E quem pode, faz compras no Vaticano, onde há de tudo, até uísque escocês. E os preços, em euro, são até 50% menores do que no resto da União Européia. Se um frango assado em Roma custa seis euros, no supermercado Annonna custa entre três e quatro euros. Os produtos chegam de trem, na única estação do país, atrás da Basílica de São Pedro. Mas em todas as lojas (à exceção da farmácia) o acesso é limitado aos habitantes, clero e aos três mil funcionários.

Oficialmente o Vaticano vive da venda de selos e suvenires religiosos, da cobrança de entradas para museus e das contribuições dos fiéis. Mas também lucra com o aluguel dos muitos imóveis que conserva na Itália.

Dono de boa parte do centro da Itália até meados do século XIX, o Vaticano só recuperou a independência em 1929, quando Pio XI fez um acordo com o ditador italiano Benito Mussolini. O resultado, um país de 44 mil quilômetros quadrados onde o Papa é soberano absoluto.

Apesar de seu imenso patrimônio de obras de arte, o Vaticano não é tão rico nem tão bem administrado. Desde a década de 70, suas contas estão no vermelho. Nos anos 90, a situação financeira se normalizou, mas a partir de 2001 a Santa Sé se tornou novamente deficitária. Um dos motivos foi a queda do dólar em relação ao euro num país que recebe a maior parte de suas contribuições dos EUA.