Título: `ESSA LEISHMANIOSE NÃO É NOVIDADE AQUI¿
Autor: Letícia Helena
Fonte: O Globo, 18/04/2005, O País, p. 3

Endêmica em vários municípios de Pernambuco, doença estigmatiza pacientes

MORENO (PE). Não é preciso ir muito longe. Bem perto de Recife, o município de Moreno, a 28 km da capital, é considerado uma área endêmica para a leishmaniose tegumentar americana, uma das doenças tropicais que preocupam as autoridades sanitárias brasileiras. A enfermidade deixa os pacientes com feridas espalhadas pelo corpo e pode atacar mucosas como as das cavidades do nariz e da boca. Nos últimos cinco anos, já foram detectadas oficialmente 160 pessoas com a doença nos engenhos de Moreno. E só em março apareceram cinco novos casos.

Normalmente, os pacientes vivem na área rural ou, embora residam na cidade, vieram de fazendas e engenhos. Nem sempre procuram logo os postos de saúde. Chegam a tentar remédios caseiros rústicos ou apelam para a automedicação. Foi o caso Lúcia Maria dos Santos, dona de casa do vilarejo de Massaranduba, a 22 km do centro de Moreno. Lúcia começou com inchaço no pé, que depois virou uma ferida. Ela lavava o ferimento em casa com água sanitária e sabão amarelo. Depois usou a erva babatimão, que no Nordeste é muito usada como cicatrizante. Tomou por conta própria um antibiótico. Nada deu certo. Procurou o centro de saúde municipal, que possui serviço especializado na doença, e descobriu que sofria do mesmo mal que muitos de seus vizinhos.

¿ Essa leishmaniose não é novidade aqui. Conheço muita gente que tem essa doença e nem sei como fui contaminada ¿ diz ela, enquanto recebe curativos no posto de saúde da família de Massaranduba.

Mosquito transmissor foi encontrado em 11 engenhos

Segundo o gerente de Vigilância Animal de Moreno, Cláudio Júlio da Silva, uma pesquisa efetuada em dois engenhos do município indicou que, de 250 pessoas examinadas, 22% estavam com a doença (embora ela não se manifeste em todos). Funcionário da Funasa à disposição da prefeitura de Moreno, Edvaldo José Apolinário informou que o mosquito transmissor do protozoário que provoca a doença foi encontrado em 11 engenhos.

¿ Em uma hora recolhemos 300 insetos em apenas um engenho, o Carijó ¿ contou ele.

Em Moreno, Silva encontrou um morador da zona rural com 22 lesões no corpo. De acordo com o médico e pesquisador Frederico Abath, do Centro de Pesquisas Ageu Magalhães, embora não seja fatal como a leishmaniose visceral, a tegumentar estigmatiza o paciente, que, por ostentar feridas repelentes, passa a ser recusado no mercado de trabalho e a se ausentar do convívio social.

O Centro da Fiocruz funciona como centro de referência para leishmaniose. Os pesquisadores Frederico Abath e Edileuza Brito integram uma equipe multidisciplinar que estuda a doença para a produção de uma vacina contra a forma tegumentar da infecção. Já conseguiram isolar 22 genes da espécie.

Segundo a médica Hélade Souto Maior, do posto de saúde da família, os moradores de Massaranduba chegam a misturar temperos como cominho e colorau com água para passar nos ferimentos. Ela disse que embora em Massaranduba só tenham sido encontrados casos da leishmaniose tegumentar americana ¿ a mais comum em Pernambuco ¿ em municípios como Caruaru e Gravatá, no agreste, ela já detectou casos da visceral, que ataca órgãos internos e pode levar à morte.