Título: MAL DE CHAGAS: CATARINENSE PERDEU DUAS FILHAS E A MÃE
Autor: Letícia Helena
Fonte: O Globo, 18/04/2005, O País, p. 3

Seis pessoas morreram depois de tomar caldo de cana contaminado em quiosque à beira da estrada

FLORIANÓPOLIS. Em estado grave, Moacir João Cabral estava internado numa UTI em Florianópolis com uma doença desconhecida pelos médicos. Em duas semanas, perdera duas filhas pequenas e a mãe. A esposa também estava em estado grave. Todos com os mesmos sintomas: quadro febril infeccioso que evoluía para comprometimento generalizado com dilatação do coração.

Moacir chamou alguns parentes e pediu que cuidassem bem de Ana Carolina, de 15 meses, a única da família que não estava doente, e o enigma teve solução. O bebê estava sadio porque, ao contrário do restante da família, não tomara caldo de cana durante um passeio a Navegantes, no litoral norte catarinense. Para espanto das autoridades de saúde, o que atacava a família era uma forma aguda do mal de Chagas, uma doença praticamente sem registro no estado e que se pensava restrita a lugares remotos nas regiões Norte e Nordeste.

¿ Os médicos disseram que era a última coisa que eles imaginariam. Depois daquele dia recebi o remédio certo e comecei a melhorar ¿ conta Moacir, de 38 anos.

¿ A gente nem pensaria que a doença de Chagas apareceria aqui ¿ diz o infectologista Antônio Miranda, diretor do hospital Nereu Ramos.

O quiosque Barracão da Penha 2, às margens da BR-101 em Navegantes, onde a família Cabral parava para tomar caldo de cana nos passeios de sábado, foi confirmado como foco único do surto da doença, que atingiu 31 pessoas que passaram pelo litoral do estado no verão. Seis morreram. No quiosque foi encontrado um inseto barbeiro infectado com o Trypanosoma cruzi. Outros barbeiros com o protozoário causador do mal de Chagas foram achados num matagal próximo.

O inseto depositou fezes contaminadas sobre a cana ou foi moído junto com ela na hora de fazer o caldo, algo que poderia ter acontecido com qualquer outro alimento e dificilmente seria evitado, segundo Bruno Schlemper, especialista em doenças tropicais e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina.

O secretário estadual de Saúde, Luiz Eduardo Cherem, tem opinião semelhante:

¿ Foi um acidente. Fomos pegos de surpresa porque foi um tipo de contaminação rara (por ingestão) por uma doença praticamente inexistente aqui.

O caso levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária a recomendar regras rígidas para o comércio de caldo de cana e sucos no Brasil. Em Macapá (AP), outras 29 pessoas contraíram a doença de Chagas no mês passado, consumindo açaí contaminado pelo barbeiro infectado.