Título: CARDEAIS BRASILEIROS ALERTAM PARA PERDA DE FIÉIS
Autor: Monica Yanakiew e Gina de Azevedo Marques
Fonte: O Globo, 16/04/2005, O Mundo, p. 31

Dom Cláudio e Dom Geraldo dizem que é preciso encontrar meios de evitar afastamento de católicos na América Latina

CIDADE DO VATICANO. Numa reunião a portas fechadas, entre cardeais do mundo inteiro, os arcebispos de São Paulo, Cláudio Hummes, e de Salvador, Geraldo Majella Agnello, falaram ontem sobre os desafios da Igreja Católica no Brasil e na América Latina. Entre estes, como deter o afastamento de fiéis, muitos deles atraídos pelas novas seitas evangélicas ou afastados da Igreja devido às propagandas dos meios de comunicação.

Segundo um cardeal que participou da reunião, fica difícil hoje convencer quem mora num país pobre, que enfrenta graves problemas materiais, de que a salvação possa ser apenas espiritual. No mundo real, existem propagandas de TV estimulando o consumo, e outras alternativas, como aquelas que prometem curas milagrosas.

¿ Pregar o Evangelho não é algo que dependa apenas dos bispos e dos padres ¿ disse o cardeal.

Das reuniões sai o perfil do próximo Pontífice

Segundo ele, se os laicos que acreditam em Deus tivessem maior participação política, poderiam ajudar a ¿construir um mundo melhor¿. Apesar de a Igreja Católica orientar os padres a não se envolverem em política, a verdade é que hoje ela enfrenta bancadas de evangélicos no Congresso e na televisão.

Desde a morte de João Paulo II, no último dia 2, os cardeais têm se reunido para fazer um balanço dos 26 anos de seu pontificado. Nessas reuniões, eles têm discutido desde os detalhes do funeral até os problemas que a Igreja Católica precisa enfrentar no mundo inteiro, para então definir o perfil do próximo Papa.

Diferentemente do que aconteceu em 1978 (depois das mortes de Paulo VI e João Paulo I), os cardeais fizeram um voto para manter o silêncio mesmo nos dias que antecedem o conclave. Num mundo globalizado, em que as notícias são transmitidas em tempo real pela televisão e a internet, ninguém queria que os debates sobre questões delicadas se tornassem públicos. Entre eles, o direito de divorciados comungarem ou a maior participação dos bispos nas decisões da Cúria.

¿ É normal que haja esse silêncio. Se os católicos do mundo inteiro ficarem sabendo pela televisão que um cardeal é a favor do casamento dos padres e outro não, haverá confusão. Mais de uma pessoa se perguntará: se eles não sabem o que é certo ou o que é errado, quem sabe? ¿ explicou o secretário particular de um dos cardeais que elegerão o novo Papa.

Para garantir que nenhuma notícia vazará durante o conclave, mesmo os profissionais e religiosos que atenderão aos cardeais tiveram que prestar ontem um juramento de palavra e por escrito diante do camerlengo (que administra a Igreja até o novo Papa ser eleito).

Apesar do voto de silêncio, existe uma verdadeira campanha política nos jornais ¿ principalmente os italianos, que dão como favorito o conservador alemão Joseph Ratzinger, decano do Colégio de Cardeais e homem próximo a João Paulo II. Segundo os vaticanistas, está surgindo uma frente de moderados, comandada pelo jesuíta Carlo Maria Martini.

Caso Martini e Ratzinger não consigam fazer candidatos próprios, provavelmente escolherão um nome de consenso. Neste caso, qualquer aposta é valida. O certo é que temas como casamento de padres e maior participação da mulher em decisões da Igreja parecem ter passado a segundo plano ¿ pelo menos por enquanto.

Segundo o cardeal Eugenio Sales, arcebispo emérito do Rio de Janeiro (que não votará por ter mais de 80 anos, mas que participou dos debates), existem questões mais importantes no momento. Ele é um dos que defendem a maior utilização dos meios de comunicação, por parte da Igreja, para pregar o Evangelho.

Chaminé é instalada na Capela Sistina

Amanhã, os 115 cardeais com menos de 80 anos que votarão no conclave (dois não foram a Roma por problemas de saúde) se mudam para a Residência Santa Marta, um prédio de cinco andares dentro da Cidade do Vaticano, onde ficarão isolados. A partir de segunda-feira, começará a votação, com duas sessões pela manhã e outras duas à tarde, até encontrar um candidato que reúna dois terços dos votos. Se depois de cerca de 30 votações não houver consenso, o novo Papa será eleito com metade dos votos mais um.

Na Capela Sistina, foi instalada uma chaminé no telhado, para onde estarão voltados os olhos de católicos do mundo inteiro a partir de segunda-feira. A cada votação, as cédulas são queimadas. A fumaça escura indicará que ainda não há um consenso. Já a fumaça branca mostrará que a Igreja tem um novo Papa.