Título: A REALIDADE ALTERNATIVA DOS ANTIPAPAS
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 16/04/2005, O Mundo, p. 31

Pelo menos 14 pessoas dizem ocupar o Trono de Pedro, após conclaves e supostas mensagens divinas

O momento era solene. Depois de 32 anos sem um Papa, o conclave daria um fim à crise. Após orações, a votação elegeu o Pontífice: Miguel I, nome adotado pelo americano David Bawden. A eleição ocorreu depois de uma máquina de refrigerante ter sido arrastada para abrir mais espaço no armarinho Question Mark, em Delia, no estado americano do Kansas, em 16 de julho de 1990. Entre os seis eleitores estavam os pais do novo papa, uma das várias pessoas que alegam ser o líder da Igreja Católica.

O movimento liderado pelo antipapa (palavra usada pela Igreja para designar pessoas que pleiteiam o Trono de Pedro sem respeitar as regras canônicas) Miguel é só um entre diversas correntes. Muitos são tradicionalistas que discordam das reformas do Concílio Vaticano II (1962-1965) e defendem o sedevacantismo, ou seja, que o cargo de líder da Santa Sé está vago. Há pelo menos 14 antipapas hoje.

Miguel alega que as declarações de Angelo Roncalli (eleito João XXIII em 1958) sobre a parcela de culpa católica pelo cisma ortodoxo e os elogios à moral religiosa de budistas e muçulmanos o tornaram um herege, anulando sua eleição. E, como foi ele que tornou Giovanni Montini (o futuro Paulo VI) cardeal, a eleição deste também seria inválida, e assim por diante.

O americano Lucian Pulvermacher, ou Pio XIII ¿ eleito em Montana, em 1998 ¿ concorda com Miguel que João XXIII foi um ¿Papa ilegítimo¿, mas por acusá-lo de ter sido maçom.

Mais ousado foi o suíço Victor von Pentz, eleito em 1994, em Assis, na Itália. Depois de assumir o nome de Lino II, ele e seu séquito seguiram para Roma para anunciar a eleição na Basílica de São João de Latrão, mas foram impedidos pela polícia.

Alguns dizem que o cardeal conservador Giuseppe Siri foi eleito no conclave de 1958 (outros dizem 1978), mas teria sido impedido por comunistas.

Uma corrente, iniciada pelo canadense Michel Collin (Clemente XV) criou uma linha de antipapas em 1951, supostamente por inspiração divina. Ele foi sucedido por Gaston Tremblay (Gregório XVII), em 1971. Depois de condenado a dois anos de prisão por cárcere privado de fiéis e abuso sexual, ele foi sucedido em 2001 por uma mulher, Gregória XVIII.

Um dos casos mais famosos de antipapas recentes é o de Clemente Domínguez, espanhol que teria recebido uma mensagem divina e se tornado Gregório XVII (a repetição de nomes é comum ¿ há quatro Pedro II hoje). Ele criou uma Santa Sé em El Palmar de Troya e morreu no último dia 22 de março.

Alguns sedevacantistas tentam unir os diferentes grupos.

¿ É difícil, pois o grau de descrença varia entre aqueles que se sentem desconfortáveis com Roma até os que consideram que lá está o anti-Cristo. Tentamos fazer com que formem um conselho e se unam sob um papa verdadeiro ¿ afirma a sedevacantista australiana Devonia Mildenhall. ¿ Temos sites na internet, enviamos cartas exortando ao clero sedevacantista para deixar as diferenças de lado, mas até hoje tudo foi em vão.