Título: VOLTA POR CIMA
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 18/04/2005, O País, p. 4
Foi tanta pancadaria no rastro de irregularidades no cadastro, falta de fiscalização de contrapartidas e denúncias de fraudes, que muita gente custa a acreditar que o Bolsa Família saiu do inferno astral, deixou de ser o programa-problema do governo do PT e pode até virar referência internacional. E com chances de vir a se tornar uma fábrica de votos para a reeleição de Lula em 2006.
Com o maior orçamento da área social de todos os tempos ¿ R$17 bilhões em 2005 ¿ o Bolsa Família só não chegou ainda a 28 dos 5.572 municípios brasileiros. Fechará o ano atendendo 8,7 milhões de famílias ¿ um universo de quase 40 milhões de pessoas.
O ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, já esteve no Egito a convite da ONU mostrando como funciona o Bolsa Família. Hoje amanhece em Washington (EUA) para falar num fórum do Banco Mundial (Bird) sobre os programas brasileiros de segurança alimentar, transferência de renda e assistência social. Na platéia, integrantes dos comitês políticos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Bird ¿ que, na contramão da crítica interna, considera as ações de combate à fome e à pobreza do governo do PT um modelo para países em desenvolvimento.
O Bolsa Família, quem diria, agora é um sucesso?
¿ Sucesso seria um pouco de arrogância de minha parte... Mas está se consolidando rápida e vigorosamente. Hoje é um programa bem sucedido ¿ observa o mineiro Patrus.
Ele passou por maus momentos ao assumir, há pouco mais de um ano, a recém-criada pasta do Desenvolvimento Social com a missão de unificar os programas de transferência de renda. A área social, que seria a menina-dos-olhos do governo Lula, vivia uma tremenda crise. Foi tiroteio para todos os lados. Cadastro cheio de furos, denúncias de uso político do programa, contrapartidas como freqüência escolar sem acompanhamento e fraudes na concessão do benefício a quem não precisa infernizaram a vida do ministro.
Agora, porém, Patrus assegura que os problemas vão sendo resolvidos: o cadastro foi aperfeiçoado e há relatórios semestrais da freqüência escolar. As irregularidades ¿ que vão sempre existir num programa dessa amplitude ¿ têm sido identificadas e divulgadas pela fiscalização do próprio Ministério, que fez convênios com a CGU e o Ministério Público para intensificar a fiscalização.
O programa está sendo ampliado nas periferias das grandes cidades e, até 2006, pretende incluir todos os brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Pelo IBGE, em 2002 eram 11,4 milhões de famílias. Mas Patrus não descarta a possibilidade de o número vir a ser menor ¿ não porque o programa não atingiria a todos, mas sim pela redução no nível da pobreza:
¿ O crescimento da economia e a geração de empregos pode estar reduzindo este universo.
A crítica que resta ao Bolsa Família é a de se tratar de um programa meramente assistencialista, sem porta de saída. Há quem considere que boa parte desse orçamento bilionário estaria melhor empregada em educação e políticas emancipatórias e estruturantes. Patrus Ananias contesta. Lembra que os recursos são destinados também a programas de formação de mão-de-obra e geração de renda. E que a simples movimentação do dinheiro tem estimulado a economia de muitas localidades. Por exemplo, os alimentos do Fome Zero são comprados de pequenos produtores e no comércio local.
¿ O Bolsa Família tem porta de saída, que são as políticas de microcrédito, geração de trabalho e renda. Só que, para sair, é preciso primeiro entrar ¿ diz, lembrando que a esmagadora maioria dos beneficiários do Bolsa, segundo as pesquisas, ainda sofre do que se chama de ¿insegurança alimentar¿: o medo de não garantir a alimentação da família. O dinheiro é usado para comprar basicamente alimentos.
E o potencial eleitoral do Bolsa Família? Dinheiro público não tem cor partidária, assegura o ministro, lembrando que o programa ganhou capilaridade em todas as regiões do país graças a convênios e ações conjuntas com governos estaduais e prefeituras ¿ sem discriminação de caráter político ou partidário. Em outras palavras, União, estados e municípios governistas ou de oposição podem dividir a paternidade dos benefícios. Aliás, o programa só andou depois que isso ficou claro.
Ainda assim, não resta dúvida. Se o Bolsa Família deslanchar mesmo, prefeitos, governadores e deputados podem até tirar sua casquinha em 2006. Mas a bandeira será de um sujeito só, aquele lá do Planalto.