Título: INFLAMAÇÃO INICIADA NOS PULMÕES CAUSOU A MORTE DE TANCREDO NEVES
Autor:
Fonte: O Globo, 18/04/2005, O País, p. 4

Reportagem do 'Fantástico' ouve patologista que forjou laudo sobre doença

O programa ¿Fantástico¿, da Rede Globo, revelou ontem a causa da morte do presidente eleito Tancredo Neves, pondo fim a 20 anos de mistério e rumores de conspiração. Ao reunir pela primeira vez, desde 1985, os 11 médicos que atenderam o presidente, o repórter Ernesto Paglia descobriu que Tancredo morreu em decorrência da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica, processo infeccioso que o levou a ter o chamado ¿pulmão de choque¿. À época, a síndrome era desconhecida da medicina.

O programa obteve também a declaração do patologista Élcio Mizziara de que forjou um laudo em que diagnosticava a doença de Tancredo como diverticulite, quando na verdade o que ele teve foi um tumor benigno (leiomioma) no intestino.

Tancredo Neves, segundo depoimentos de seu neto e então secretário particular, Aécio Neves, e do historiador Ronaldo Costa Couto, então ministro nomeado para a pasta do Interior, temia que a verdade sobre sua saúde impedisse a posse do vice, José Sarney, a quem o presidente João Figueiredo não queria transmitir o cargo, e a consolidação da transição.

Na Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica, o organismo cerca o foco com uma inflamação. Mas a resposta do organismo pode se exceder, e a inflamação então chega a outros órgãos. O processo começou nos pulmões de Tancredo, debilitados por uma série de transfusões. A inflamação provocou o endurecimento dos tecidos pulmonares. O endurecimento dificulta a respiração, provocando o chamado pulmão de choque. O problema se espalhou, até a morte, por insuficiência múltipla de órgãos.

O patologista Élcio Mizziara assumiu, no programa, a autoria do laudo falso sobre a doença de Tancredo:

¿ Eu disse: olha, eu posso fazer alguma coisa que contraria o código de ética médica, mas considerando a situação atual, o medo que nós não tenhamos a posse do presidente... Porque, se for divulgado que ele tem um tumor, e não importa naquele momento se é maligno ou benigno, basta eu dizer para o público que é um tumor, e então vão dizer: o homem está com câncer e ele vai morrer. Então eu faço o seguinte: eu faço um outro laudo; esse outro laudo, eu faço o laudo igualzinho a esse, só que ao invés de eu colocar leiomioma infectado etc. e tal, eu vou colocar diverticulite aguda.

Segundo o patologista, os médicos de Tancredo, sua família e seu porta-voz, Antônio Brito, sabiam do real diagnóstico.

Ao reunir os médicos que trataram dele depois que foi transferido do Hospital de Base para o Instituto do Coração, em São Paulo, o ¿Fantástico¿ obteve a revelação sobre a síndrome e sobre o real estado de Tancredo. Estava doente havia mais de um ano e tinha bacteremia, presença de bactérias na circulação.

¿ Ele tomava seis medicamentos, por conta dos calafrios, da bacteremia; há mais de um ano ele vinha tomando ¿ disse o farmacêutico George Washington Cunha. ¿ Sempre sob a supervisão do balconista da farmácia de São João del Rei.

A reportagem também revelou que, no vôo para São Paulo, Tancredo perdeu quase três litros de sangue e por isto foi submetido a transfusões, que abriram campo para a síndrome.

Reportagem da edição desta semana da revista ¿Veja¿ mostra que a transição democrática correu o risco de não se realizar. Tancredo tinha um grupo de espiões a seu serviço, todos militares, para vigiar e tentar neutralizar iniciativas dos militares que eram contra sua candidatura. Os espiões detectaram possibilidades de golpe. A campanha de Tancredo chegou a traçar um plano de fuga, se o golpe fosse efetivado.