Título: `O NOVO PAPA DEVE LEVAR ADIANTE COISAS BOAS E DELEGAR MAIS AOS BISPOS¿
Autor: Dom Paulo Evaristo Arns
Fonte: O Globo, 16/04/2005, O Mundo, p. 32-33

SÃO PAULO. O novo Papa deve ser um europeu. A previsão é do arcebispo emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, com a experiência de quem participou dos conclaves que escolheram os dois últimos papas, João Paulo I e João Paulo II. Para ele, que ainda se recupera, aos 83 anos, de um infarto agudo do miocárdio, ¿a grande política se realiza mais na Europa¿. Mas não descartou o nome de Dom Cláudio Hummes e disse que o novo Papa deve delegar poderes aos bispos.

Qual o perfil que deve ter o novo Papa?

DOM PAULO EVARISTO ARNS: Deve ser um homem universalmente aceito, sobretudo entre o Oriente e o Ocidente para que, afinal, o nome de Cristo e a religião cristã possam entrar nos grandes países, como Índia, China, Japão e outros. É hora de unir o mundo pela doutrina e pelas normas cristãs de vida.

O senhor acha que o novo Papa pode ser latino-americano?

DOM PAULO: Ah, pode! O Espírito Santo pode escolher todas as pessoas. Mas, no momento, não há sinais para tanto. É mais Oriente e Ocidente e a grande política se realiza mais na Europa.

Dom Cláudio Hummes tem chance de ser eleito?

DOM PAULO: Claro que tem! Mas depende de tantas circunstâncias... Por exemplo, se um grupo não chega a uma solução se escolhe um terceiro (nome). E pode ser ele.

Muita gente compara o Dom Cláudio progressista, que ajudava trabalhadores nas greves do ABC, com o arcebispo de posições mais conservadoras.

DOM PAULO: Falavam que essas coisas vinham do Papa. Eu ia falar diretamente com ele e via que a maior parte das coisas não vinha dele, mas de pessoas que nada têm a ver com nossa diocese nem com um cardeal eleito pelo Papa.

Na experiência que o senhor já teve em dois conclaves, como acontece essa negociação em torno de nomes?

DOM PAULO: O conclave é uma coisa muito sagrada. A gente vai diante do Santíssimo e deposita o voto, com muito respeito. Dizemos que votamos segundo a consciência, diante de Deus e para o bem da Humanidade. Cada qual vota, depois vai ao seu quarto e consulta um vizinho ou outro para ver se o nome dele não saiu.

O senhor acha que João Paulo II foi um bom Papa?

DOM PAULO: João Paulo II tem muita influência porque nomeou quase todos os cardeais que vão votar agora. Mas os cardeais não têm a mesma mentalidade dele. Cada um é uma personalidade diferente. E são personalidades que se impõem. Votam conforme a própria consciência e não conforme alguma coisa que tenha sido deixada na lembrança.

O senhor acredita que o novo Papa deve ter o mesmo perfil de João Paulo II?

DOM PAULO: O novo Papa deve levar adiante as coisas boas e delegar muito mais aos bispos e às regiões do mundo para que, assim, eles possam trabalhar com mais liberdade.

João Paulo II foi um Papa conservador, repressor?

DOM PAULO: Tive a maior liberdade com o Papa João Paulo II. Tive só dificuldade com alguns da Cúria. Mas isso não tem importância porque o Papa me recebia sempre como irmão e nós nos abraçávamos e falávamos de coisas para o bem da Humanidade, particularmente para os pobres, doentes e os que sofrem.

Para continuar com esse foco social, o senhor não acha que um cardeal da América Latina seria mais indicado?

DOM PAULO: Pode ser de qualquer lugar, mesmo da Espanha, França, Alemanha, Itália, Inglaterra. Queremos o mundo unido e, sobretudo, com todas as religiões cooperando para a paz. Pode ser um cardeal de qualquer lugar, desde que ele tenha abertura para as grandes necessidades da humanidade e para a pesquisa feita no mundo científico.

Questões ligadas ao desenvolvimento científico, à bioética, podem ter posições diferentes da Igreja com o novo Papa?

DOM PAULO: A Igreja sempre gosta de ter a aceitação daquilo que propõe. Mas ela não pode jamais ir contra a verdade e contra aquilo que foi imposto por Jesus Cristo.