Título: Instável equilíbrio
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/04/2005, O Globo, p. 2

Confundimos freqüentemente a instabilidade política com situações de golpe, ruptura, guerra civil e outras desordens institucionais. Isso é a desestabilização. Na instabilidade, os governos ficam sujeitos à alternância entre previsibilidade e solavancos desarrumadores. Na instabilidade o governo Lula está vivendo há alguns meses, e ela decorre sobretudo do projeto da reeleição.

Tal diagnóstico não sugere que as coisas vão piorar inexoravelmente nem que vão se acomodar por si mesmas, como pensam os crentes na predestinação de Lula, em sua popularidade e na marcha da economia. De certo modo, Lula vive momento semelhante ao que viveu Fernando Henrique quando decidiu patrocinar a emenda da reeleição. Entregou anéis preciosos que lhe faltaram no segundo mandato. Lula, para garantir apoios e palanques, vem se deparando com faturas cada vez mais altas.

A instabilidade é o somatório dos pequenos e dos grandes sustos, das dificuldades e das derrotas cada vez mais freqüentes no Congresso, das traições cada vez mais descaradas, das pequenas chantagens dos aliados, do fogo amigo dos petistas e das rusgas entre ministros. Enfim, de tudo isso que vem fazendo da política a área mais crítica do governo Lula. Pois, de resto, a economia vai bem, a gestão também, com as exceções de sempre, e a própria comunicação do governo melhorou.

Tem se apontado a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara como o demarcador da instabilidade parlamentar. Antes de ser causa, ela é conseqüência do quadro que sobreveio à eleição municipal. Tendo provado do tal hegemonismo do PT, que lhes tomou alguns acres de terra, os aliados se armaram. Foram 45 dias de paralisia na Câmara. Das urnas, a oposição também saiu com bala na agulha, passou a fustigar o governo e a forçar a precipitação sucessória.

A reforma ministerial, concebida ainda em novembro com o objetivo de compor um governo de coalizão, tendo como principal coadjuvante o PMDB, ficou em cartaz quatro meses e acabou sendo abortada pelo próprio presidente. Se ele enquadrou o PT, negando-lhe a Coordenação Política, e refugou o ultimato de Severino, não nomeando seu ministro pepista, acabou também não resolvendo os problemas da sustentação parlamentar. Eles se agravaram, mas principalmente porque começou a ser tocada a canção da reeleição. Passou o governo, com o envolvimento do próprio Lula, a articular as alianças para 2006. Se o presidente deseja a reeleição e admite a necessidade de alianças, perde uma parcela de sua autonomia e começa a ser desafiado. Ou não foi isso que fizeram os senadores que rejeitaram o seu indicado para presidir a ANP? Ou a Câmara ao refugar a MP 232? A voracidade petista por cargos conturba as parcerias, mas agora já se disputa também o futuro, entre os partidos e dentro deles. Senão, vejamos:

PMDB ¿ Lula tem o ambicioso projeto de levar o partido inteiro para seu palanque e Dirceu é que está cuidando disso (em outro sinal contraditório com a manutenção de Aldo Rebelo na Coordenação Política). Buscando a ala que faz oposição ao governo, já conversou com Quércia e na terça-feira com outros dois ranhetas, Michel Temer e Geddel Vieira Lima. Temer quer ser o novo líder do partido na Câmara mas ouviu música melhor: a hipótese de ser vice do candidato petista a governador de São Paulo. Resultado imediato, a ofensiva do presidente do Senado, Renan Calheiros, cardeal da ala governista, contra o excesso de medidas provisórias. Garotinho também vai se encontrar com Lula. Tirá-lo da disputa é muito importante. Mas quando Renan se ofereceu para mediar o encontro, agradeceu. Falaria com Temer. Corre, portanto, o fogo amigo dentro do PMDB. Também com Jarbas Vasconcelos já se conversa sobre uma composição em Pernambuco, onde PT e PMDB nunca se bicaram. Até mesmo o senador Pedro Simon, tão crítico do governo, esteve conversando com seus colegas Paulo Paim, do PT, e Sergio Zambiasi, do PTB, sobre uma tríplice aliança gaúcha em torno de Lula. Se a unidade do PMDB, que nem Ulysses Guimarães conseguiu, ocorrer em torno do presidente, um bom caminho estará andado para 2006. Mas até lá, haja instabilidade.

PL ¿ O vice José Alencar anda engasgado com as notícias freqüentes de sua troca por um peemedebista na chapa de 2006. Enquanto ele diz das suas, seu PL faz outras na Câmara.

PP ¿ Sem ministério, o PP agora se confunde com Severino Cavalcanti. E ele segue mordendo e assoprando Lula. Na maioria das vezes, mordendo.

PTB ¿ Por ora é o mais estável dos aliados, graças a uma indulgência (forçada por Lula) dos petistas, que lhes cederam alguns lugares há muito prometidos.

ESQUERDAS ¿ PCdoB e PSB, mesmo engolindo queixas, não têm outro caminho. Mas o PDT e o PPS continuam procurando um candidato alternativo.

Estamos pois em agitado mar sucessório, e a travessia será complicada. Do governo, exigirá mais ação política, mais habilidade com o Congresso, a quem manda pratos venenosos como a MP 242. Do PT, o tal despreendimento eleitoral que lhe é tão estranho.

Mas o barco da oposição também sofre com as ondas. Cesar Maia, Geraldo Alckmin e José Serra sofreram desgastes recentes, sendo que Alckmin passou até a enfrentar, como Lula, desaforos de aliados na Assembléia Legislativa.

LULA reencontra a peãozada, como diz ele, amanhã em São Bernardo do Campo. Numa grande festa pelos 30 anos de sua eleição para presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Tem jeito de campanha.