Título: UE X EUA (2)
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 17/04/2005, O País, p. 4

ISTAMBUL, Turquia. A idéia de que a União Européia ampliada, com a entrada da Turquia, poderá se transformar em um bloco que se contraponha aos Estados Unidos em termos políticos, defendida por intelectuais europeus, especialmente franceses, durante o seminário sobre o Islã da Academia da Latinidade, não é consensual nem mesmo dentro da Comunidade Européia.

Na recente reunião em Bruxelas da Comissão Européia, ficou clara a divisão entre os países que compõem a comunidade. São duas visões distintas do que ela poderá vir a ser. Há uma visão, que por enquanto prevalece, de que o orçamento da União Européia (UE) tem que ser suficientemente forte para financiar a homogeneização de seus componentes, como definiu o sociólogo Alain Touraine. Significaria pôr dinheiro nos novos membros do Leste Europeu, e mais adiante na Turquia, para que todos os países venham a ter condições de criar um mercado forte, sem barreiras, em que a economia de escala permitirá que a Europa compita em termos econômicos com os demais blocos formados na Ásia e nos Estados Unidos.

Há também a idéia de que grande parte da verba orçamentária deve ser investida em desenvolvimento de tecnologia, para aumentar a capacidade de competição e produtividade do bloco europeu. Há, porém, resistência da parte dos grandes países europeus, notadamente França, Alemanha e Inglaterra, que querem preservar suas características próprias.

Grande parte da resistência da opinião pública francesa à entrada da Turquia, como lembrou o sociólogo Alain Touraine, está ligada ao temor de que, com a adoção de critérios liberais na economia, não haja mais capacidade de financiar o estado de bem-estar social que está montado. Há também os que, como a Inglaterra, acham que a Comunidade Européia deve se restringir a um grande mercado comercial aberto.

Especialista em ciências políticas, o professor Nelson Franco Jobim acha que a idéia de que a adesão da Turquia servirá para que a Europa se contraponha aos Estados Unidos é fantasiosa, pois ela é aliada dos Estados Unidos na OTAN e os americanos são os maiores defensores de seu ingresso na União Européia como forma de mostrar que a UE não é um clube cristão. Também nessa visão, a Turquia seria a ponte entre Ocidente e Oriente que derrubaria a tese do choque de civilizações.

Para ele, imaginar que a Europa precisa da Turquia para contrabalançar o poderio americano ¿implica supor que o resto da Europa estará unido por uma política externa comum¿, o que não é plausível. Um teste decisivo será o plebiscito francês sobre a Constituição da Europa, em maio próximo. O filósofo Jean Baudrillard, defendendo a inclusão da Turquia na União Européia, fez uma blague em sua palestra: ¿Enquanto a Turquia se prepara para entrar na União Européia, a França parece se preparar para sair¿, disse ele, ironizando a tendência da opinião pública francesa de se pronunciar a favor do não no referendo de maio.

Se a França disser não à Europa, será um alívio para Tony Blair, lembra o professor Nelson Franco Jobim, porque a Grã-Bretanha fará seu plebiscito no próximo ano. Se os britânicos, que ainda não integram a União Européia, reafirmarem o não, tudo continuará como hoje. Mas sem a França, não haverá Constituição da Europa.

Na sua análise, a Europa é muito desunida para ser uma superpotência capaz de equilibrar o poderio americano, a não ser na área econômica. Nos debates aqui na Turquia, porém, ficou claro que os intelectuais europeus não se contentam com esse papel meramente econômico da Europa ampliada, e criticam o que Baudrillard classificou de falta de imaginação política. Eles temem que a Europa não possa competir com os Estados Unidos nesse campo, e acham que deveria ter uma visão política mais ampla. Além do mais, os Estados Unidos têm grande influência na Europa, especialmente no Leste Europeu.

A propósito da coluna sobre a cúpula Países Árabes-América do Sul, que o governo brasileiro promove no próximo mês, Osias Wurman, presidente da Federação Israelita do Rio, relata que participou de um encontro em São Paulo, no clube A Hebraica, para debater como evitar a importação do conflito no Oriente Médio para o Brasil.

Representando o governo federal estavam os membros da comunidade mais próximos do presidente Lula : o ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Jaques Wagner, o porta-voz André Singer e a assessora especial Clara Ant.

Segundo Wurman, na exposição inicial dos três, ficou clara a intenção do governo brasileiro de marcar o encontro como meramente comercial, mas ¿algumas dúvidas angustiantes surgiram no decorrer da conversa¿. Questionados sobre qual interesse comercial justificaria a presença do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, os três declararam ignorar totalmente a presença do representante da ANP.

Osias Wurman acha que o governo estará ¿incorrendo no grave erro de abandonar o tradicional relacionamento com o Estado de Israel, já evitado nas viagens presidenciais, para andar pelas areias movediças do Oriente Médio¿. Lembra ¿que a nossa diplomacia que arquitetou o encontro acima mencionado é a mesma que se encontra atolada, há mais de dois meses, na negociação para libertação do engenheiro Vasconcellos¿, e classifica como ¿capítulo patético¿ o apelo à Síria para interceder junto aos seqüestradores.